No Brasil, católicas feministas querem Igreja sem padre, pró-aborto e LGBT+

Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT

No Brasil, católicas feministas querem Igreja sem padre, pró-aborto e LGBT+

 

A Igreja Católica é uma das Instituições mais tradicionais da sociedade ocidental. Mas movimentos feministas e LGBTQIA+ tentam adaptar regras e redefinir estruturas de poder dentro do catolicismo. O popular grupo internacional “Maria 2.0” reivindica, por exemplo, a indicação de uma mulher ao cargo de Papa. A “Papisa” seria a maior autoridade dentro da religião. Aqui no Brasil, entidades lutam por uma fé diversa, inclusiva e acolhedora que repense normas em relação ao aborto e ao celibato, por exemplo.

A Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, que surgiu em 2014, é uma delas. É formada por católicos gays, bissexuais e transgêneros que se reúnem para discutir fé e religião. “Grupos assim estão se fortalecendo dentro da Igreja Católica. São fiéis que se organizam para mostrar que o catecismo está errado quando diz que somos ‘intrinsecamente desordenados'”, diz Cris Serra, coordenadora do movimento, que hoje conta com mais de 22 grupos espalhados por comunidades do Brasil.

A presença de movimentos LGBTs dentro da Igreja não é nova. Um dos coletivos mais famosos é o Dignity, que surgiu em 1969. Depois que o Vaticano proibiu a realização de eventos do grupo em paróquias e sedes oficiais, a partir dos anos 80, os encontros do coletivo (agora chamado Dignity USA) passaram a acontecer em templos protestantes.

Esses movimentos voltaram a ganhar força e repercussão depois da eleição do Papa Francisco, em 2013. “O Papa está propondo mudanças estruturais na Igreja. Quem vê de fora, acha que é algo pequeno, mas não é; só através da reestruturação de poder dentro da Instituição, é que romperemos com padrões”, afirma Cris. Ela defende que a Igreja deve se tornar um ambiente acolhedor aos homossexuais, reveja a verticalidade dos poderes e o tratamento às mulheres.

“Metade do clero é gay”

“Ser padre é o ‘armário’ perfeito para quem não tem coragem de confrontar a própria sexualidade”, diz Cris. Ela, que se identifica como uma pessoa não binária, levou tempo para se reconciliar com a própria fé: “Achava que tinha algo de errado comigo, que eu estava cometendo um pecado por gostar de beijar meninas. Nisso, eu parei de comungar e por alguns anos confrontar minha espiritualidade foi um processo doloroso”.

Mas Cris não deixou a fé de lado: “Com 20 anos comecei a entrar em qualquer Igreja para me confessar. Perguntava para todos os padres que encontrava: ‘Qual é o problema de ser homossexual?’. Um deles ficou vermelho, suou, e disse ‘olha, eu não sei’. Outro disse que não tinha problema, que eu tinha razão, todo amor gera vida – e é isso que importa. Desde então, retomei minhas idas às missas”.

Hoje ela é uma das principais ativistas LGBTQIA+ do Brasil dentro da Igreja Católica e defende a revisão da homossexualidade como pecado, luta pela inclusão dessas fiéis nos ambientes religiosos e prega pelo fim do celibato para membros do clero. “Essa repressão gera abuso. Precisamos rever como a Igreja encara a sexualidade”.

“Pintam os gays como pessoas do ‘mal’, contra a família e os costumes, enquanto os religiosos são ‘do bem’, interessados em uma sociedade melhor. Eles repetem na política a mesma dicotomia que criam na Igreja, isso é perigoso. Querem transformar a política em um debate sobre moral e bons costumes ao invés de olhar para o que realmente importa”.

Cris não concorda com a estrutura clerical do catolicismo e prega uma reforma completa desse modelo: “Existem muitas feministas cristãs e católicas pensando e criticando o machismo e a misoginia dentro da Igreja; nem todas querem se tornar madres, papisas, bispas. Eu mesma não luto por isso, acho que só estaríamos reproduzindo um padrão machista”.

É o caso da freira Ivone Gebara que, há mais de 50 anos, defende a reestruturação da Igreja Católica. “Eu não quero ser ordenada madra, papisa, bispa… não imagino uma Igreja Matriarcal, acredito que o que possa existir é uma comunidade cristã misturada. Com homens, mulheres, transexuais, homossexuais, lésbicas líderes em suas respectivas congregações, em um sistema horizontal – e não vertical – de poder”, propõe.

Como disse Bell Hooks [escritora feminista americana], a essência do patriarcado é a dominação; a partir do momento que você tem um mais forte, ele vai dominar o mais fraco. Tem muitas católicas que estão trabalhando pela constituição de uma Igreja com outras bases, sem autoridade, sem relação vertical de poder –Cris Serra, ativista da Rede Católica LGBT

Uma freira feminista

Ivone se tornou freira aos 22 anos de idade pela Congregação Irmãs de Nossa Senhora. Ainda na juventude mudou-se para Recife e começou a atuar nas regiões periféricas da cidade ao lado do bispo Dom Hélder Câmara (1909 – 1999), outro representante progressista da Igreja Católica no Brasil.

“Quando entrei em contato com as dores das mulheres – muitas delas eram humilhadas e maltratadas dentro de casa – foi que me descobri feminista. Desde então, o Vaticano passou a me silenciar constantemente”, diz Ivone que, no final dos anos 80, chegou a ser obrigada pela Igreja a fazer um segundo doutorado em ciências religiosas; “Falaram que eu não era suficientemente bem informada sobre a doutrina católica”, relembra.

Me tornei feminista pelo contato com as mulheres pobres. A Igreja logo me viu como pecadora, transgressora, mas o importante é que sou acolhida na Congregação que decidi seguir —Ivone Gebara

Para Ivone, que é celibatária por escolha própria (“sou celibatária, sim; toda mulher é obrigada a casar para ser feliz? Eu nunca sonhei em ter a minha própria família”, diz), a condenação de pessoas LGBTQIA+ pela Igreja é um erro. “Há uma boa parte do clero que é homossexual, mas o catolicismo prefere ignorar isso, negar a importância da sexualidade, da afetividade, das emoções… isso impede que a Igreja cresça e a afasta da realidade”.

A freira, assim como Cris, não acredita que a presença de mulheres no clero possa fazer diferença para a reinvenção dos dogmas católicos; pelo contrário, pode até fortalecer pensamentos conservadores e machistas. “Não quero ser ordenada na Igreja Católica. Para quê? Para fazer parte de uma estrutura de poder formada só por velhos? Veja o Vaticano, só tem velhos — mas o mundo não é mais deles. Acredito na revolução da base, da formação de católicos que preguem uma humanidade diferente, sob a ótica do amor”.

Católicas também podem ser livres

Além de defender mais diversidade na Igreja, Ivone também defende que o aborto deve ser legalizado em alguns casos. “Sou contra slogans, não gosto que me chamem de ‘freira pró-aborto’; é preciso ter cuidados com as mulheres – e este cuidado abarca também não transformar a dor delas em bandeira”, afirma.

O grupo Católicas pelo Direito de Decidir existe desde 1996 e defende que mulheres religiosas tenham liberdade de tomar decisões – como o aborto – sobre o próprio corpo. No Brasil, Regina. Jurkewicz, especialista em Ciências da Religião, foi uma das fundadoras do grupo

“Não adianta apenas colocar uma mulher no poder e achar que a Igreja vai mudar. Nem o Papa Francisco consegue aplicar as mudanças que ele quer” –Regina Jurkewicz, uma das fundadoras do Católicas pelo Direito de Decidir

“Não atuamos em paróquias, como é o caso do movimento internacional Maria 2.0. Promovemos eventos de conscientização, parcerias com médicos, lives e debates”, afirma Regina.

Cris diz que é importante não enxergar a Igreja Católica como um bloco monolítico, de pensamentos e pessoas homogêneos. “Todo mundo quer se sentir acolhido – e é isso que a Igreja propõe. Agora é importante direcionar esse acolhimento para uma boa direção”.

Para ela, uma reestrutura na Igreja Católica ajudaria a trazer mais novos fiéis. Segundo o levantamento mais recente do IBGE, de 2000 a 2010 houve aumento de 61% na população evangélica do país, sendo que mais de 80% dos brasileiros são cristãos. “Enquanto não tivermos uma mudança de doutrina, de uma religião que acolha a liberdade e a diversidade, a Igreja Católica continuará perdendo forças para as Igrejas Evangélicas”.

FONTE: UOL.COM.BR – UNIVERSA – Júlia Flores – 08/11/2021 04h00

 

 


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