Meditação | A sede da água viva
Meditação | A sede da água viva
O que beber da água que eu lhe der, jamais terá sede (Jo 4, 14).
A esta passagem parece opor-se aquela outra do Eclesiástico: Aqueles que me bebem terão ainda sede (24, 29). Como, pois, jamais terá sede quem beber desta água, isto é, da sabedoria divina, quando diz a mesma sabedoria: os que me bebem terão ainda sede?
Ambas as coisas são verdadeiras, pois quem bebe da água que Cristo dá todavia tem sede, e ao mesmo tempo não tem sede; porém o que bebe da água material terá sede outra vez. Isto se dá por duas razões:
1. Porque a água material não é perpétua, nem tem causa perpétua, isto é, o Espírito Santo, que é fonte inesgotável de vida. Por isso, o que dela bebe não terá sede jamais, do mesmo modo que jamais teria sede o que tivesse em si uma fonte de água viva.
2. Pela diferença entre as coisas espirituais e as temporais. Pois que ainda que umas e outras produzam sede, no entanto esta é manifestada de maneira diversa. Porque o temporal, uma vez possuído, não produz certamente sede de si mesmo, mas sim de outras coisas; mas o espiritual acaba a sede de outras coisas, e produz sede de si mesmo.
A razão disto se funda em que o temporal se estima como de grande valor e suficiente, antes de ser possuído; porém uma vez que se tem, como não se encontra de tanto valor, nem suficiente para aquietar o desejo, não sacia este desejo, senão que provoca o desejo de possuir outra coisa..
O espiritual não é conhecido senão quando se lhe possui. Ninguém conhece, senão quem o recebe (Ap 2, 17). E, portanto, não provoca nenhum desejo antes de ser possuído; porém quando se lhe tem e se lhe conhece, então deleita o coração e move o desejo, não certamente para possuir outra coisa, senão que como é saboreado imperfeitamente por causa da imperfeição do que lhe recebe, provoca uma possessão perfeita.
Desta sede se diz: A minha alma tem sede de Deus, de Deus vivo ¹⁰ (SI 41, 3).
Esta sede não se elimina de todo neste mundo, porque não podemos perceber os bens espirituais nesta vida; e por conseguinte, aquele que beber desta água todavia teria sede, certamente, de sua perfeição; porém não terá sede jamais, como se faltasse a água, pois como se diz no Salmo 35, 9: Saciam-se com a abundância da tua casa.
Com efeito, na vida da glória, onde os bem-aventurados bebem perfeitamente a água da graça divina, não terão sede jamais. Bem-aventurados os que têm fome e sede da justiça, porque serão saciados (Mt 5, 6) na vida da glória.
— In Joan., IV
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Rodapé:
¹⁰ Santo Tomás diz: Sedenta está minha alma de Deus, fonte viva.