Homilia – O adultério do coração e a fidelidade do Reino
Homilia – O adultério do coração e a fidelidade do Reino
Caros irmãos, à primeira vista, o evangelho que hoje proclamamos pode parecer duro. Exigente. Até desconcertante. Jesus fala com clareza sobre o adultério, mas não se limita à superfície do ato exterior. Ele vai mais fundo, pois penetra as motivações escondidas, os impulsos silenciosos, os desejos não confessados. E ao fazer isso, nos convida a uma honestidade rara: olhar para dentro com coragem e fé.
Quando o Senhor diz “todo aquele que olhar para uma mulher com desejo já cometeu adultério no coração”, Ele nos aponta uma verdade desconcertante: o pecado começa no íntimo, afinal, antes de ser ação, ele é intenção. Antes de escândalo público, ele é batalha oculta, todavia, Jesus não condena o corpo – Ele nos alerta sobre o que movemos com ele: o olhar que devora, o pensamento que domina, o desejo que desrespeita.
No coração da proposta de Cristo, há uma ética do amor, que difere de uma simples moral do comportamento. Jesus não quer somente gestos corretos, mas um coração convertido. Um coração que ama com liberdade, pureza e entrega. Um coração que não usa o outro como objeto, mas reconhece nele a dignidade de imagem e semelhança de Deus.

Desapegar-se
Nesse caminho de santidade, há exigência, sim. Por isso, Ele diz: “Se teu olho te leva ao pecado, arranca-o”. É linguagem simbólica, forte, provocadora. Mas o que o Senhor realmente pede aqui é radicalidade. Não se trata de mutilar o corpo, mas de romper com o mal sem hesitação. Cortar pela raiz aquilo que destrói a comunhão com Deus e com os irmãos. Desapegar-se do que corrompe o amor verdadeiro.
A radicalidade do Evangelho não é para poucos, mas para todos que querem viver no Reino. Ela não se impõe pela força, mas pelo desejo de plenitude. É um sim mais profundo que qualquer não. Quando Jesus fala sobre o divórcio, não o faz com desprezo pelo sofrimento humano: Ele reconhece a fragilidade das relações, mas aponta para a fidelidade como espelho do amor divino. Não se trata de castigo. Trata-se de vocação.
Na fidelidade conjugal, o Evangelho nos revela um mistério maior: o amor de Deus que jamais abandona, que permanece mesmo quando não é correspondido. O matrimônio cristão é sinal desse amor. Ele é chamado a ser reflexo da aliança entre Cristo e a Igreja – uma união feita de sacrifício, paciência, perdão e doação mútua.

Desejos
Hoje, somos convidados a uma revisão honesta: quais são os desejos que habitam meu coração? Tenho respeitado o outro em seus limites e dignidade? Ou transformo pessoas em meios para minha satisfação? Tenho sido fiel, não somente com palavras, mas com o olhar, com a memória, com as intenções?
Essa reflexão não é fácil. Mas ela é libertadora. O Reino de Deus não é para os que nunca erram, mas para os que deixam o Espírito Santo curar suas intenções. Para os que reconhecem seus desvios, pedem perdão e recomeçam.
Que não tenhamos medo de olhar para dentro. E que o Senhor, com sua luz, vá iluminando até os cantos mais escuros do nosso coração. Porque onde Ele entra, até o desejo se transforma em amor, o erro em redenção, e a fraqueza em graça. Amém.