Homilia – Mt 19,3-12 — Missa de 6ª-feira, 15/08/25
Homilia – Mt 19,3-12 — Missa de 6ª-feira, 15/08/25
Irmãos e irmãs, hoje ouvimos a palavra dura e, ao mesmo tempo iluminadora de Jesus: “Moisés permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração. Mas não foi assim desde o início.” Essas palavras nos confrontam com a realidade histórica e com o projeto primordial de Deus. Desde o princípio, no desígnio criador, homem e mulher entram numa aliança de vida: tornam-se “uma só carne”, imagem viva da comunhão trinitária. Essa unidade não é mero contrato social; ela traduz vocação, doação mútua e graça: o matrimônio nasce para ser sinal permanente do amor de Deus que se entrega sem reservas.
Contudo, Jesus reconhece a dureza do coração humano e aponta também a trágica consequência dessa dureza. Moisés, com sabedoria pastoral numa época marcada por durezas e sobrevivência, concedeu uma norma que protegia socialmente pessoas vulneráveis em contextos em que o abandono e a injustiça eram reais. Essa concessão, porém, não iguala a lei mosaica com o querer profundo do Pai. Cristo vem restaurar a lei no seu sentido original: não para impor mais fardos, mas para curar as feridas que rompem a comunhão conjugal e para reorientar os corações à misericórdia que gera fidelidade.

Transformar os motivos do coração
Portanto, não confundamos rigorismo com fidelidade. Jesus chama-nos a uma coragem mais alta: a coragem de transformar os motivos do coração que empurram para a separação. O Senhor não proíbe o cuidado pelos fracos nem ignora situações de violência, abandono ou infidelidade grave; antes, Ele chama a comunidade a agir como campo de cura, onde a verdade se une à compaixão. Quando a dureza do coração encontra escuta compassiva e assistência perseverante — acompanhamento sacramental, aconselhamento sério, redes de apoio — muitos casamentos renascem; onde falta essa rede, a dor multiplica-se.
Nesse sentido, a pastoral do matrimônio exige três atitudes concretas. Primeiro, exige escuta paciente: acolher quem sofre sem julgamentos imediatos, entender contextos, reconhecer culpas e vítimas. Segundo, exige reparação e mudança real: o arrependimento autêntico que leva à transformação de hábitos, à busca de ajuda profissional e à reconstrução da confiança. Terceiro, exige sacramentalidade renovada: fortalecer a vida de oração do casal, a participação na Eucaristia e o recurso ao sacramento da Reconciliação para que a graça opere onde a vontade humana vacila.

Além disso, sabemos que alguns casos resultam em situações irreversíveis e necessitam de medidas práticas de proteção — para os filhos, para o cônjuge vulnerável, para a justiça. A misericórdia de Cristo não é ingenuidade; ela integra prudência e amor que liberta. A Igreja, por sua vez, não abandona quem se separou: ela convoca a todos a uma conversão contínua e a um caminho de integração e serviço, sem jamais reduzir a dignidade de ninguém.

Finalmente, o evangelho nos lança a tarefa de formar corações maleáveis. Cada família, cada comunidade cristã, deve cultivar hábitos que amaciem o coração: diálogo humilde, perdão quotidiano, cultivo da gratidão, práticas de caridade mútua e fé que supera o egoísmo. Assim, prevenimos a dureza que corrói, e oferecemos ao mundo o testemunho de que o amor fiel existe e transforma. Sejamos, portanto, artífices de reconciliação e de cura, pedindo sempre ao Senhor que nos dê coragem para assumir a vocação conjugal como caminho de santidade, e sensibilidade para acolher e caminhar com quem carrega feridas profundas. Amém.