Homilia diária — Lc 6,20-26 — Missa de 4ª-feira, 10/09/25
Homilia diária — Lc 6,20-26 — Missa de 4ª-feira, 10/09/25
Irmãos e irmãs, hoje o Evangelho nos coloca diante de uma palavra que sacode nossa comodidade, bem-aventurados vós, os pobres, e ai de vós, ricos, e nela encontramos o coração da economia divina, que reverte os valores humanos e proclama uma misericórdia que prefere os últimos.
Não ignoremos a diferença de ênfases entre os sinópticos, porque em Lucas a proclamação se dirige, de modo mais imediato, aos pobres concretos, aos anawim que sustentam a fé no Senhor apesar da fome, da injustiça e do desprezo; por isso a bem-aventurança aqui soa como promessa concreta, e o aviso contra a riqueza ressoa como julgamento ético e escatológico.
Além disso, consideremos o simbolismo teológico: a pobreza, quando assumida com liberdade, traduz a kenosis do Filho, a descida suíta que esvazia para encher com a graça; e a riqueza acumulada, quando se fecha em si mesma, converte-se em muro contra a comunhão e em venda da alma ao mamon.

Promessa de restauração
A tradição dos Padres sempre ouviu nesta leitura um chamado à conversão estrutural, porque a graça não se limita a consolar os pobres de modo intimista, ela inclina a comunidade a transformar as estruturas sociais que geram pobreza. Assim, a bem-aventurança não é romantização do sofrimento, ela é promessa de restauração e convite à justiça.
Contudo, não confundamos pobreza com fatalismo.
O Senhor não glorifica a miséria inútil, ele proclama que a fidelidade dos pequenos ocupa lugar privilegiado no projeto de Deus, e que a vida que se entrega solidariamente aos que sofrem já participa do banquete escatológico.
Por isso a resposta cristã exige praxis, ou seja, gestos concretos: partilha dos bens, políticas de caridade organizada, defesa da dignidade dos trabalhadores e preferência pelos marginalizados nas decisões comunitárias. A liturgia e a Eucaristia nos formam para essa prática, porque o Pão partilhado nos lembra que a mesa litúrgica antecipa a mesa do Reino.

Conversão do uso dos bens
Igualmente, prestemos atenção ao “ai de vós, ricos”, que não se reduz à condenação moral individual, ele denuncia um modo de existência que prende o coração à segurança e que, por isso, empobrece a alma. O rico que se fecha, que substitui Deus pelo ter, perde a visão do próximo e torna-se incapaz de reconhecer no pobre o rosto do Senhor.
Portanto, o convite do Evangelho é a conversão do uso dos bens, para que a riqueza sirva à comunhão e não à exclusão, para que cada recurso material se transforme em oportunidade de solidariedade e serviço.
Além disso, a promessa das bem-aventuranças contém um elemento escatológico que corrige todo utilitarismo presente: as consequências últimas de nossas escolhas ultrapassam a lógica imediata, e Deus reordena a história em favor dos que creem.
Assim, quem sofre por fidelidade e se recusa a vender a própria consciência, verá a justiça do Senhor manifestar-se, e quem se aninhou na riqueza como absoluto poderá perder aquilo que julgava seguro. A esperança cristã, portanto, não anestesia o sofrimento, ela o ilumina com sentido e o vincula a uma expectativa de restauração.

Sinal credível do Reino
Por fim, a aplicação prática bate à porta de casa: examinemos nossas escolhas de consumo, a maneira como organizamos a vida paroquial, os critérios que orientam nossas ações públicas e privadas.
Que nossas mesas paroquiais reservem lugar preferencial ao pobre, que nossos projetos sociais priorizem a promoção humana integral, que nossas escolhas pessoais mostrem desprendimento e generosidade concreta. Assim, transformaremos as palavras do Mestre em cultura viva, e a Igreja se tornará realmente sinal credível do Reino.
Roguemos ao Senhor a graça do desapego e da coragem, e peçamos àquela que soube guardar a Palavra no seu coração, que nos dê um espírito capaz de reconhecer no pobre o tesouro do Evangelho, e nas riquezas a prova de nossa responsabilidade. Então, vivendo a bem-aventurança e evitando a armadilha da riqueza, seremos comunidade profética, anúncio vivo de que o Reino de Deus já começou a visitar a terra. Amém.