Homilia de hoje — Liturgia da Missa de domingo, 01/06/25
Homilia de hoje — Missa de domingo, 01/06/25
Irmãos, hoje contemplamos o duplo mistério pascal: o sofrimento e a ressurreição do Senhor culminam agora na ascensão, que não é um simples “desaparecimento” de Cristo, mas sua entrada definitiva na glória que preexistia no Pai.
Nas palavras do Evangelho segundo Lucas (24, 46-53), encontramos o itinerário teológico que nos conduz do perdão dos pecados à missão universal e, finalmente, ao evento transcendente da Ascensão:
“O Cristo sofrerá e ressuscitará ao terceiro dia e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso. Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24, 46-49).
A Culminação da Obra Redentora
Quando lemos que “enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu” (Lc 24, 51), não nos enganemos: a Ascensão não é um simples retorno de Quem saiu da casa paterna, mas a consumação do mistério pascal.
Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, retoma a sua condição de Glória eterna, porém não em abandono; Ele permanece com a Igreja e concede a sua presença sacramental, sobretudo na Eucaristia. Como um pegno de aliança, a Ascensão confirma que a obediência de Jesus até a cruz e a vitória pascal foram plenamente aceitas pelo Pai.
Assim como a teologia dos Padres sublinha, especialmente nos escritos de Atanásio e Cirilo, o Ascendido não abandona a carne redimida: Ele a eleva à condição de assimilar-se ao Verbo. Cristo, em outro verbo patrístico, “não se desprende de nós, mas assume a nossa condição humana para que a Divindade nela resplandeça” (implicitamente ecoando a formulação de Cirilo de Alexandria sobre a unidade hipostática).
A partir desse horizonte, entendemos que o perdão dos pecados anunciado “a todas as nações” (Lc 24, 47) já encontra a sua eficácia na ascensão de Cristo: o Filho está na glória do Pai intercedendo continuamente por nós. A cátedra apostólica, fundada em Jerusalém, torna-se porta de entrada para a missão. Se, no início da Paixão, o véu do Templo foi rasgado (Mc 15, 38), agora se inaugura o Templo novo: a comunidade eclesial, genuflita diante do Cristo glorioso que intercede pelos pecadores.

Comunhão da Igreja
O gesto de “erguer as mãos e abençoar” (Lc 24, 50) remete ao modelo sacerdotal de Melquisedeque (Hb 7), que oferece pão e vinho e invoca a bênção. Cristo, contudo, é o Sumo Sacerdote definitivo: Ele abençoa o seu povo, santifica-o e exalta-o, tornando-o “realeza sacerdotal” (1Pd 2, 9).
A bênção que se difunde de suas mãos ascensionais atua como causa eficiente do dom do Espírito que será derramado em Pentecostes. Assim, a Ascensão não esgota o mistério da Encarnação; ao contrário, ela a perpetua em cada Eucaristia, pois a ação sacramental faz presença permeante do Cristo exaltado.
Nesse sentido, a espiritualidade monástica, desde São Basílio até os beneditinos, percebe a Ascensão como convite a adotar “o coração no céu” (Cl 3, 1-2), unindo a contemplação à missão. Não é nostalgia escapista, mas reencontro com a nossa verdade mais profunda: somos feitos para “participar da natureza divina” (2Pd 1, 4), destituindo-nos do homem velho e vestindo o homem novo, plenos de caridade e de dons do Espírito.
Missão, Testemunho e a Promessa do Espírito
A expressão “Vós sereis testemunhas de tudo isso” (Lc 24, 48) direciona-nos imediatamente para a ação missionária. Não se trata de um testemunho meramente histórico—até porque a ressurreição e a ascensão transcendem a cronologia terreno-divina—mas de um martírio de amor que irmana o discípulo ao Senhor crucificado e ressuscitado.
O testemunho autêntico brota de uma comunhão profunda com o Ressuscitado; por isso, “permanecer em Jerusalém até que sejais revestidos da força do alto” (Lc 24, 49) evoca a necessidade de interiorizar a fé no Pentecostes, quando o Espírito impulsa a Igreja além das fronteiras do mundo antigo.
Os Padres da Igreja, especialmente São Leão Magno e os mestres catequéticos de Alexandria, ensinavam que a Ascensão inaugura a Igreja universal e sacramental. Sem “receber o revestimento do alto” (isto é, o Espírito Santo), não haveria ardor missionário nem eficácia na pregação do Evangelho. Por isso, cada batizado, configurado a Cristo no Crisma, é chamado a encarnar a mesma dinâmica: permanecer em oração (relembrando o estilo oração-no-Templo dos discípulos, Lc 24, 53), alimentar-se da Palavra e do Pão Eucarístico, para depois anunciar a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações.

Comunhão dos Santos
Lucas finaliza: “Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus” (Lc 24, 52-53). Mesmo depois da Ascensão, a comunidade dos primeiros cristãos não rompeu o laço litúrgico e comunitário com o culto judaico, mas o integrou conforme a revelação em Cristo, dando continuidade à verdadeira adoração espiritual (Jo 4, 23).
Essa atitude nos remete àquela liturgia de María e Jesus no Templo quando Ele era menino (Lc 2, 41-52): o Cristo, agora ascendido, convoca-nos a manter viva a dimensão eucarística e a oração litúrgica enquanto “sinal existente do Reino” que já chegou e ainda não se consumou.
Na teologia patrística, encontramos o conceito de “lutifreira pelagiana” e o “canto novo” da Igreja: a ascensão do Senhor gera um cântico litúrgico que ecoa desde os salmos de Sião até o Hino de Cristo no Apocalipse (Ap 5, 9-10). A “grande alegria” (Lc 24, 52) não é só emoção subjetiva, mas o fruto teologal da esperança na vinda definitiva do Reino. Na vigília pascal, proclamamos: “Subiste aos céus, ó Cristo, levando a nossa humanidade junto contigo; regozijamo-nos, pois certamente voltará em glória para nos elevar também na sua vitória” (pregação católica tradicional).

Implicações Concretas
Comunhão com o Cristo Ascendido: A Ascensão exige que vivamos sempre na presença do Senhor glorificado. Em cada Missa, ao proclamarmos “e quando o Senhor Jesus voltar em glória, acolhei-o no meio de nós!”, estamos retomando o gesto dos discípulos que, após adorar, “permaneciam no Templo, bendizendo a Deus”. Cultivar a oração e participar da liturgia dominical é nossa forma contemporânea de “estar em Jerusalém” antes de receber o Pentecostes pessoal.
Missão e Testemunho: Ser testemunha de Cristo não significa somente pronunciar palavras, mas deixar que as “obras” de Cristo vivam em nós: a compaixão pelos pobres, o perdão incondicional, a denúncia profética das estruturas de pecado. Tal como o Ressuscitado enviou os discípulos, Ele nos envia hoje — na escola de Madre Teresa e de São Vicente de Paulo — a anunciar conversão e perdão em nossos ambientes de trabalho, família e cultura.
Unidade Eclesial: A cena de “todos reunidos no Templo com alegria” sublinha a importância de manter a coesão eucarística. A comunhão sacramental fortalece a caridade e evita o isolamento espiritual. Assim, em tempos de individualismo, recordemos o apelo paulino: “Eles devem cuidar uns dos outros, como um corpo em que todas as partes colaboram para a saúde comum” (Rm 12, 5).
Esperança Escatológica: A Ascensão projeta nosso olhar para “novos céus e nova terra” (2Pd 3, 13). O quotidiano se torna litúrgico quando vivemos a História como rumo seguro ao cumprimento das promessas do Pai. A “força do alto” (Lc 24, 49) é, ao mesmo tempo, dom presente e antecipação da consumação eterna, que nos impele a perseverar na caridade e na santidade.
Queridos irmãos, ao celebrarmos este mistério pascal-ascensional, sintamos no coração o convite a projetar nossas vidas para o alto, mantendo os pés firmes na missão e a alma sedenta de oração. Que a “grande alegria” dos primeiros que viram o Senhor subir em glória nos inunde de esperança e coragem para testemunhar, até os confins da terra, que aquele que ressuscitou e ascendeu voltará novamente em glória. Amém.