
Um de vós me entregará… O galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes. Homilia de hoje – Liturgia da Missa de 3ª-feira, 15/04/25
Homilia de hoje – Missa de 3ª-feira, 15/04/25
Estamos diante de um dos momentos mais solenes e dolorosos da vida de Jesus: o início da sua paixão. E no centro desta cena, ouvimos uma frase que cai como um trovão em meio ao silêncio da ceia: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará.”
Essa não é apenas uma denúncia. É um espelho. Porque a traição não vem de fora. Vem de dentro. Não vem de um inimigo, mas de um amigo. De alguém que sentava à mesa, que partilhava o pão, que conhecia o rosto, o olhar, o tom de voz de Jesus. Um de vós. Um de nós.
O ambiente é íntimo. Estão à mesa. Jesus está comovido. A dor da traição pesa mais que os pregos da cruz. E os discípulos ficam confusos, desconcertados. Olham uns para os outros, inseguros, inquietos. Ninguém sabe ao certo de quem Jesus fala. E talvez, no fundo, cada um se pergunte: “Será que sou eu?”
Sim, porque todos nós, de algum modo, já traímos o amor. Já negamos a verdade. Já deixamos o Senhor esperando, já dissemos “sim” com os lábios e “não” com as atitudes. A traição de Judas não é só um episódio. É uma advertência. É uma pergunta que volta a cada Páscoa: em que momento eu também entrego o Senhor?
Jesus, no entanto, não o denuncia publicamente. Não expõe, não humilha. Apenas identifica, discretamente: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho.” Um gesto de amizade, de partilha, de amor. Jesus oferece o pão — o mesmo pão que é sinal da aliança. Mesmo sabendo que será traído, Ele oferece. Ele ama até o fim.
E Judas? Toma o pão… e sai. E o texto diz: “Era noite.” Não apenas do lado de fora. Era noite também dentro dele. Porque quem fecha o coração para a luz, mergulha na escuridão. Porque quem rejeita a verdade, vive às cegas. Porque quem escolhe o próprio caminho, ao invés do caminho de Deus, se perde.
Meus irmãos, este Evangelho não é para acusar. É para acordar. Jesus ainda hoje se deixa entregar — quando negamos a fé, quando ferimos o irmão, quando somos indiferentes à dor do próximo. Ainda hoje, Ele estende o pão — e espera nossa resposta.
Pedro, no mesmo trecho, também promete fidelidade: “Darei a minha vida por ti.” Mas também ele falhará. Também ele o negará. Só que há uma diferença: Pedro chora, se arrepende, volta. Judas se fecha, se isola, se perde. Ambos caíram. Mas um deixou-se encontrar pela misericórdia.
Neste tempo sagrado, perguntemo-nos: onde está meu coração? Tenho partilhado o pão com Cristo ou tenho escolhido sair na noite? Tenho negado sua presença ou permitido que Ele me transforme?
Jesus sabia da traição. E ainda assim, lavou os pés. Partilhou o pão. Ofereceu amor. Que essa mesma misericórdia nos envolva hoje. E que, diante da cruz, possamos dizer: “Senhor, eu te entreguei tantas vezes… mas hoje, eu me entrego a ti.” Amém.