DECET ROMANUM PONTIFICEM (Bula de excomunhão de Martinho Lutero)

PAPA LEÃO X

“DECET ROMANUM PONTIFICEM”

(aos 3 de janeiro do Ano do Senhor 1521)

 

Bula de excomunhão de Martinho Lutero

 

 

 

I. Pelo poder que lhe foi conferido por Deus, o Romano Pontífice foi designado para administrar penas espirituais e temporais, segundo corresponda respectivamente a cada caso. O propósito disso é a repressão dos maliciosos desígnios de homens extraviados, que foram tão seduzidos pelo seu degradado impulso de fins perversos que esqueceram o temor de Deus, puseram de lado com desprezo decretos canônicos e mandamentos apostólicos, ousaram formular novos e falsos dogmas e introduziram o mal do cisma na Santa Igreja de Deus ― ou apoiaram, ajudaram e aderiram a tais cismáticos, os quais fazem comércio rasgando a túnica do nosso Redentor e a unidade da verdadeira fé.

Portanto, compete ao Pontífice, por temor de que a barca de Pedro pareça navegar sem piloto ou remador, tomar severas medidas contra tais homens e seus sequazes e, mediante o aumento de medidas punitivas e outros oportunos remédios, fazer com que esses mesmos homens prepotentes, dedicados como são a fins perversos, juntamente com os seus apoiadores, não enganem a multidão dos simples com as suas mentiras e mecanismos enganadores, nem os arrastem juntos na adesão ao seu erro e à sua própria ruína, contaminando-os com o que equivale a uma contagiosa doença.

Corresponde também ao Pontífice, depois de ter condenado os cismáticos, para evitar uma ainda maior perdição e confusão deles, mostrar e declarar pública e abertamente a todos os fiéis cristãos como são tremendas as censuras e penas às quais tal culpa pode levar, para que, por meio de tal declaração pública, aqueles possam, com contrição e remorso, voltar a si, fazendo retratação irrestrita das conversações proibidas, da amizade e, sobretudo, da obediência a tais réprobos excomungados, de maneira que possam evitar os castigos divinos e qualquer grau de participação nas condenações deles.

 

II. Fomos informados de que, após essa precedente missiva ter sido exposta em público e ter transcorrido o intervalo ou intervalos nela prescritos ― e, com a presente, notificamos solenemente a todos os fiéis cristãos que esses intervalos transcorreram e estão transcorridos ―, muitos daqueles que tinham seguido os erros de Martinho Lutero tomaram conhecimento da nossa missiva e das suas advertências e injunções; o Espírito de um salutar conselho levou-os de novo a si, confessaram eles os seus erros e abjuraram a heresia conforme nossa instância e, voltando à verdadeira fé católica, obtiveram a bênção de absolvição que os mensageiros estavam autorizados a conceder; e, em diversos estados e localidades da Alemanha, os livros e escritos do mencionado Martinho foram publicamente queimados, como tínhamos mandado.

Nada obstante ― e dizer isto nos dá grave dor e perplexidade ―, o próprio Martinho, o escravo de uma mente depravada, teve desprezo em revogar e renegar os seus erros no intervalo prescrito e em nos enviar uma única palavra de tal revogação, como por Nós paternalmente solicitado, ou em vir pessoalmente até Nós; ao invés, como uma pedra de tropeço, não temeu escrever e pregar coisas piores que antes contra Nós, esta Santa Sé e a fé católica, e levar outros a fazerem o mesmo.

Agora é solenemente declarado herege; e assim também os demais, qualquer que seja a sua autoridade e grau, que não tiveram cuidado algum com a sua própria salvação, mas publicamente e perante os olhos de todos os homens se tornam sequazes da perniciosa e herética seita de Martinho; e aqueles que deram a ele aberta e publicamente ajuda, conselho e favor, encorajando-o na sua desobediência e obstinação, ou dificultando a publicação da nossa citada missiva. Tais homens incorreram nas penas estabelecidas naquela missiva e devem ser tratados legitimamente como hereges e evitados por todos os fiéis cristãos, como diz o Apóstolo [Epístola a Tito 3,10-11].

 

III. O nosso objetivo é que esses homens sejam legitimamente considerados na mesma esteira de Martinho e dos demais réprobos hereges e excomungados, e que, na hipótese de terem aderido com a mesma obstinação ao pecado do referido Martinho, compartilhem também das suas penas e seu próprio nome, trazendo em todos os lugares o título de “luteranos” e as penas que isso acarreta.

As nossas instruções precedentes eram bem claras e eficazmente divulgadas, e, ao se observarem de forma estrita os nossos presentes decretos e declarações, não faltará nenhuma prova, aviso ou citação. Os nossos seguintes decretos são emitidos contra Martinho e os demais que o seguem na obstinação do seu propósito depravado e execrável, assim como contra aqueles que o defendem e protegem com escolta militar e não temem apoiá-lo com recursos próprios ou de qualquer outra forma, e têm a pretensão de lhe oferecer e custear ajuda, conselho e favor. Os seus nomes, sobrenomes e graus ― por mais elevada e fulgurante que seja a sua dignidade ― desejamos que se considerem incluídos nestes decretos com o mesmo efeito que se estivessem elencados individualmente e listados na sua publicação, a qual há de ser promovida com uma energia à altura da força do seu conteúdo.

Sobre todos estes, decretamos as sentenças de excomunhão, de anátema, de nossa perpétua condenação e interdito, de privação de dignidades, honras e propriedades sobre eles e seus descendentes, de declarada inidoneidade para os próprios bens, de confisco dos seus bens e de traição; nestas e nas demais sentenças, censuras e penas que são infligidas pelo direito canônico aos hereges e que estão estabelecidas na nossa missiva supracitada, decretamos terem incidido todos esses homens para sua condenação.

 

IV. Acrescentamos à nossa presente declaração, pela nossa autoridade apostólica, que os estados, territórios, campos, cidades e lugares em que esses homens temporariamente viveram ou que tiveram a ocasião de visitar, juntamente com as suas posses ― cidades a possuir catedrais e sedes metropolitanas, mosteiros e outras casas religiosas e lugares sagrados, privilegiados ou não privilegiados ―, todos e cada um são colocados sob o nosso interdito eclesiástico; enquanto durar esse interdito, nenhuma pretensão de indulgência apostólica deve valer para permitir a celebração da missa e dos demais ofícios divinos (com exceção dos casos permitidos pela lei e, também ali, por assim dizer, a portas fechadas e excluídos aqueles sob excomunhão e interdito).

Prescrevemos e ordenamos que os homens em questão sejam em toda a parte denunciados publicamente como excomungados, réprobos, condenados, interditados, privados de bens e incapazes de possuí-los. Sejam eles rigorosamente evitados por todos os fiéis cristãos.

 

V. Queremos tornar conhecido de todos o mesquinho comércio que Martinho, os seus sequazes e os demais rebeldes estabeleceram, pela sua temeridade obstinada e sem vergonha, sobre Deus e sua Igreja. Queremos proteger o rebanho de um animal infeccioso, para que a sua infecção não se espalhe para as ovelhas saudáveis. Por isso, damos o seguinte mandado a todos os patriarcas, arcebispos, bispos, prelados de igrejas patriarcais, metropolitanas, catedrais e colegiadas, e religiosos de todas as ordens ― inclusive as mendicantes ― privilegiadas ou não privilegiadas, onde quer que se encontrem: que, em virtude do seu voto de obediência e sob pena de sentença de excomunhão, se assim for exigido para a execução destes decretos, anunciem publicamente e façam anunciar por meio de outros nas suas igrejas que esse mesmo Martinho e a sua facção são excomungados, réprobos, condenados, hereges, endurecidos, interditados, privados de bens e incapazes de possuí-los, e dessa forma elencados na execução destes decretos. Três dias serão concedidos: pronunciamos advertência canônica e concedemos um dia de pré-aviso sobre a primeira advertência, outro na segunda, mas, no terceiro, execução peremptória e definitiva da nossa ordem. Isso terá lugar no domingo ou em algum outro dia de festa, quando uma grande multidão se reúne para o culto. Seja alçado o estandarte da cruz, soem os sinos, acendam-se as velas e, após algum tempo, sejam apagadas, lançadas ao chão e pisadas, e pedras sejam lançadas três vezes, e observem-se as demais cerimônias de costume. Os fiéis cristãos, todos e cada um, sejam intimados estritamente a evitar esses homens.

Quiséramos uma outra vez contrastar o referido Martinho e os demais hereges que mencionamos, e, ainda, os seus adeptos, sequazes e partidários: desde já, mandamos a todo e cada um dos patriarcas, arcebispos e todos os demais prelados, em virtude do seu voto de obediência, que, sendo eles precisamente encarregados de dissipar cismas com a autoridade de São Jerônimo, devem, na atual crise, como lhes obriga o seu ofício, erguer uma muralha de defesa para o seu povo cristão. Estes não devem calar-se, como cães mudos que não podem latir [Isaías 56,10], mas incessantemente clamar e levantar a voz da pregação, fazendo com que seja anunciada a palavra de Deus e a verdade da fé católica contra os artigos condenados e heréticos citados acima.

 

VI. A todos os reitores de igrejas paroquiais, aos reitores de todas as ordens, mesmo as mendicantes, privilegiadas ou não privilegiadas, em virtude do voto de obediência, designados que são pelo Senhor para ser como as nuvens, que espalham chuvas espirituais sobre o povo de Deus, mandamos, nos mesmos termos, que não tenham medo de dar a maior publicidade à condenação dos artigos acima mencionados, como lhes obriga o seu ofício. Está escrito que o amor perfeito expulsa o medo. Que cada um de vós assuma o encargo desse meritório dever com completa devoção; mostrai-vos tão escrupulosos na sua execução, tão zelosos e solícitos em palavras e atos que, por meio dos vossos trabalhos, com o auxílio da divina graça, venha a esperada colheita e, pela vossa devoção, vós não somente ganheis aquela coroa de glória que é a recompensa devida a todos os que promovem a defesa da fé, mas também obtenhais de Nós e da Santa Sé o elogio irrestrito que a vossa diligência merece.

 

VII.No entanto, uma vez que seria difícil entregar a presente missiva, com as suas declarações e avisos, a Martinho em pessoa e aos outros declarados excomungados, por causa da força da sua facção, a nossa vontade é que a afixação pública desta missiva nas portas de duas catedrais ― ambas metropolitanas, ou uma catedral e uma metropolitana dentre as igrejas da Alemanha ―, por meio de um mensageiro nosso naqueles lugares, tenha uma força vinculante tal que Martinho e os demais que mencionamos devem mostrar-se condenados em todos os pontos peremptoriamente, como se a missiva tivesse sido levada ao seu conhecimento e apresentada a eles pessoalmente.

 

VIII.Também seria difícil transmitir esta missiva em cada lugar onde a sua publicação pudesse ser necessária. Daí a nossa vontade e decreto legítimo de que cópias suas, seladas por prelado eclesiástico ou por um dos nossos mensageiros anteriormente referidos, e autenticadas pela mão de notário público, tenham a mesma autoridade da proposição e exibição do próprio original.

 

IX.Nada obste a nossa vontade em constituições apostólicas, em decretos, na nossa já referida missiva precedente ou em quaisquer outros pronunciamentos em contrário.

 

X. Ninguém em absoluto pode infringir esta nossa decisão escrita, declaração, preceito, injunção, designação, vontade, decreto ou temerariamente contrariá-los. Se alguém se atrever a tentar tal coisa, saiba que incorrerá na ira de Deus Todo-Poderoso e dos Bem-Aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.

 

Dado em Roma, junto de São Pedro, em 3 de janeiro de 1521, no oitavo ano do nosso pontificado.

 

S. S. PAPA LEÃO X