CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA
CAPÍTULO SEGUNDO
A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO
2650. A oração não se reduz ao brotar espontâneo dum impulso interior: para orar, é preciso querer. Tão-pouco basta saber o que a Escritura revela sobre a oração: é preciso também aprender a rezar. Ora, é através duma transmissão viva (a Tradição sagrada), que o Espírito Santo, na «Igreja crente e orante» (1), ensina os filhos de Deus a orar.
2651. A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé, particularmente pela contemplação e pelo estudo dos crentes, que guardam no seu coração os acontecimentos e as palavras da economia da salvação, e pela penetração profunda das realidades espirituais que eles experimentam (2).
ARTIGO 1
NAS FONTES DA ORAÇÃO
2652. O Espírito Santo é a «água viva» que, no coração orante, «jorra para a vida eterna» (3). É Ele quem nos ensina a recolhê-la na própria Fonte: Jesus Cristo. Ora, há na vida cristã mananciais onde Cristo nos espera para nos dar a beber o Espírito Santo.
A PALAVRA DE DEUS
2653. A Igreja «exorta com ardor e insistência todos os fiéis […] a que aprendam “a sublime ciência de Jesus Cristo” (Fl 3, 8) pela leitura frequente das divinas Escrituras […]. Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem, porque “a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos”» (4).
2654. Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7, 7, resumem assim as disposições do coração, alimentado pela Palavra de Deus na oração: «Procurai na leitura e achareis na meditação; batei à porta na oração e ela abrir-se-vos-á na contemplação» (5).
A LITURGIA DA IGREJA
2655. A missão de Cristo e do Espírito Santo que, na liturgia sacramental da Igreja anuncia, actualiza e comunica o mistério da salvação, prossegue no coração de quem ora. Os Padres espirituais comparam, por vezes, o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a liturgia, durante e depois da sua celebração. Mesmo quando vivida «no segredo» (Mt 6, 6), a oração é sempre oração da Igreja; é comunhão com a Santíssima Trindade (6).
AS VIRTUDES TEOLOGAIS
2656. Entra-se na oração como se entra na liturgia: pela porta estreita da fé. Através dos sinais da sua presença, é a face do Senhor que nós buscamos e desejamos, é a sua Palavra que nós queremos escutar e guardar.
2657. O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a liturgia na expectativa do regresso de Cristo, educa-nos para orar na esperança. E vice-versa, a oração da Igreja e a prece pessoal nutrem em nós a esperança. Particularmente os salmos, com a sua linguagem concreta e variada, ensinam-nos a fixar em Deus a nossa esperança: «Esperei no Senhor com toda a confiança, e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor» (Sl 40, 2). «Que o Deus da esperança vos encha de toda a alegria e paz na fé, para que transbordeis de esperança pela força do Espírito Santo» (Rm 15, 13).
2658. «A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). A oração, formada pela vida litúrgica, vai haurir tudo no amor com que fomos amados em Cristo e que nos dá a graça de Lhe corresponder, amando como Ele amou. O amor é a fonte da oração; quem bebe dessa fonte atinge os cumes da oração:
«Eu Vos amo, ó meu Deus, e o meu único desejo é amar-Vos até ao último suspiro da minha vida. Amo-Vos, ó meu Deus infinitamente amável, e antes quero morrer a amar-Vos do que viver sem Vos amar. Amo-Vos, Senhor, e a única graça que Vos peço é a de Vos amar eternamente […] Meu Deus: Se a minha língua não pode dizer a todo o momento que Vos amo, quero que o meu coração o repita tantas vezes quantas eu respiro» (7).
«HOJE»
2659. Aprendemos a orar em certos momentos, escutando a Palavra do Senhor e participando no seu mistério pascal. Mas a cada momento, nos acontecimentos de cada dia, o seu Espírito é-nos oferecido para fazer brotar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a oração ao nosso Pai está na mesma linha que o ensino sobre a providência (8): o tempo está nas mãos do Pai; é no presente que nós O encontramos; não ontem nem amanhã, mas hoje: – «Quem dera ouvísseis hoje a sua voz; não endureçais os vossos corações» (Sl 95, 7-8).
2660. Orar nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos do Reino, revelados aos «pequeninos», aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. É justo e bom orar para que a vinda do Reino da justiça e da paz influencie a marcha da história; mas também é importante levedar pela oração a massa das humildes situações quotidianas. Todas as formas de oração podem ser esse fermento a que o Senhor compara o Reino (9).
Resumindo:
2661. É por meio duma transmissão viva, pela Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar.
2662. A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, da esperança e da caridade são fontes da oração.
ARTIGO 2
O CAMINHO DA ORAÇÃO
2663. Na tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos seus fiéis, segundo o contexto histórico, social e cultural, a linguagem da sua oração: palavras, melodias, gestos e iconografia. Compete ao Magistério(10) ajuizar sobre a fidelidade destes caminhos de oração à Tradição da fé apostólica. E aos pastores e catequistas incumbe a tarefa de explicar o seu sentido, sempre com referência a Jesus Cristo.
A ORAÇÃO AO PAI
2664. Não há outro caminho para a oração cristã senão Cristo. Seja comunitária ou pessoal, seja vocal ou interior, a nossa oração só tem acesso ao Pai se rezarmos «em nome» de Jesus. A santa humanidade de Jesus é, pois, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina a orar a Deus nosso Pai.
A ORAÇÃO A JESUS
2665. A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus e pela celebração da liturgia, ensina-nos a orar ao Senhor Jesus. Mesmo sendo dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo. Certos salmos, segundo a sua actualização na oração da Igreja, e o Novo Testamento, colocam nos nossos lábios e gravam nos nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor, Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho muito amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida, nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens…
2666. Mas o nome que tudo encerra é o que o Filho de Deus recebe na sua encarnação: JESUS. O nome divino é indizível para lábios humanos mas, ao assumir a nossa humanidade, o Verbo de Deus comunica-no-lo e nós podemos invocá-lo: «Jesus», « YHWH salva» (12). O nome de Jesus contém tudo: Deus e o homem e toda a economia da criação e da salvação. Rezar «Jesus» é invocá-Lo, chamá-Lo a nós. O seu nome é o único que contém a presença que significa. Jesus é o Ressuscitado, e todo aquele que invocar o seu nome, acolhe o Filho de Deus que o amou e por ele Se entregou (13).
2667. Esta invocação de fé tão simples foi desenvolvida na tradição da oração sob as mais variadas formas, tanto no Oriente como no Ocidente. A formulação mais habitual, transmitida pelos espirituais do Sinai, da Síria e de Athos, é a invocação: «Jesus, Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!». Ela conjuga o hino cristológico de Fl 2, 6-11 com a invocação do publicano e dos mendigos da luz (14). Por ela, o coração sintoniza com a miséria dos homens e com a misericórdia do seu Salvador.
2668. A invocação do santo Nome de Jesus é o caminho mais simples da oração contínua. Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, não se dispersa num «mar de palavras» (Mt 6, 7), mas «guarda a Palavra e produz fruto pela constância» (15). E é possível «em todo o tempo», porque não constitui uma ocupação a par de outra, mas é a ocupação única, a de amar a Deus, que anima e transfigura toda a acção em Cristo Jesus.
2669. A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, tal como invoca o seu santíssimo Nome. Adora o Verbo encarnado e o seu Coração que, por amor dos homens, Se deixou trespassar pelos nossos pecados. A oração cristã gosta de percorrer o caminho da cruz (Via-Sacra) no seguimento do Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao túmulo, assinalam o caminho de Jesus que, pela sua santa cruz, remiu o mundo.
«VINDE, ESPÍRITO SANTO»
2670. «Ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor”, a não ser pela acção do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer acto importante.
«Se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza pelo Baptismo? E se deve ser adorado, não há-de ser objecto dum culto particular?» (16).
2671. A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (17). Jesus insiste nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom do Espírito de verdade (18). Mas também é tradicional a oração mais simples e mais directa: «Vinde, Espírito Santo». Cada tradição litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:
«Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor» (19).
«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem, habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom!» (20).
2672. O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a oração cristã é oração na Igreja.
EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS
2673. Na oração, o Espírito Santo une-nos à pessoa do Filho Único, na sua humanidade glorificada. É por ela e nela que a nossa oração filial comunga, na Igreja, com a Mãe de Jesus (21).
2674. Desde o consentimento prestado na fé à Anunciação e mantido sem hesitação ao pé da cruz, a maternidade de Maria estende-se aos irmãos e irmãs do seu Filho ainda peregrinos e que caminham entre perigos e angústias (22). Jesus, o único mediador, é o caminho da nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele: Ela «mostra o caminho» («Hodêghêtria»), é «o sinal» do caminho, segundo a iconografia tradicional no Oriente e no Ocidente.
2675. Foi a partir desta singular cooperação de Maria com a acção do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na pessoa de Cristo manifestada nos seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas em que esta oração se exprime, alternam habitualmente dois movimentos: um «magnifica» o Senhor pelas «maravilhas» que fez pela sua humilde serva e, através d’Ela, por todos os seres humanos (23); o outro confia à Mãe de Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois Ela agora conhece a humanidade que n’Ela foi desposada pelo Filho de Deus.
2676. Este duplo movimento de oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na oração da «Ave-Maria»:
«Ave, Maria (alegrai-vos, Maria)». A saudação do anjo Gabriel abre esta oração. É o próprio Deus que, por intermédio do seu anjo, saúda Maria. A nossa oração ousa retomar a saudação a Maria com o olhar que Deus pôs na sua humilde serva (24), alegrando-nos com a alegria que Ele n’Ela encontra (25).
«Cheia de graça, o Senhor é convosco». As duas palavras da saudação do anjo esclarecem-se mutuamente. Maria é cheia de graça, porque o Senhor está com Ela. A graça de que Ela é cumulada é a presença d’Aquele que é a fonte de toda a graça. «Solta brados de alegria […] filha de Jerusalém […]; o Senhor teu Deus está no meio de ti» (Sf 3, 14. 17a). Maria, em quem o próprio Senhor vem habitar, é em pessoa a filha de Sião, a arca da aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor: é «a morada de Deus com os homens» (Ap 21, 3). «Cheia de graça», Ela dá-se toda Aquele que n’Ela vem habitar e que Ela vai dar ao mundo.
«Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». Depois da saudação do anjo, fazemos nossa a de Isabel. «Cheia […] do Espírito Santo» (Lc 1, 41), Isabel é a primeira, na longa sequência das gerações, a declarar Maria bem-aventurada (26): «Feliz d’Aquela que acreditou…» (Lc 1, 45); Maria é «bendita entre as mulheres», porque acreditou no cumprimento da Palavra do Senhor. Abraão, pela sua fé, tornou-se uma bênção «para todas as nações da terra» (Gn 12, 3). Pela sua fé, Maria tornou-se a mãe dos crentes, graças a quem todas as nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: Jesus, «fruto bendito do vosso ventre».
2677. «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós…». Com Isabel, também nós ficamos maravilhados: «E de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43). Porque nos dá Jesus, seu Filho, Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos confiar-lhe todas as nossas preocupações e pedidos: Ela ora por nós como orou por si própria: «Faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com Ela à vontade de Deus: «Seja feita a vossa vontade».
«Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte». Pedindo a Maria que rogue por nós, reconhecemo-nos pobres pecadores e recorremos à «Mãe de misericórdia», à «Santíssima». Confiamo-nos a Ela «agora», no hoje das nossas vidas. E a nossa confiança alarga-se para lhe confiar, desde agora, «a hora da nossa morte». Que Ela esteja então presente como na morte do seu Filho na cruz e que, na hora do nosso passamento, Ela nos acolha como nossa Mãe (27), para nos levar ao seu Filho Jesus, no Paraíso.
2678. A piedade medieval do Ocidente propagou a oração do rosário como substituto popular da Liturgia das Horas. No Oriente, a forma litânica do akáthistos e da paráclêsis ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições arménia, copta e siríaca preferiram os hinos e cânticos populares à Mãe de Deus. Mas, na Ave-Maria, nas theotokía, nos hinos de Santo Efrém ou de São Gregório de Narek, a tradição da oração é fundamentalmente a mesma.
2679. Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando Lhe oramos, aderimos com Ela ao desígnio do Pai, que envia o seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo amado, nós acolhemos em nossa casa (28) a Mãe de Jesus que se tornou Mãe de todos os viventes. Podemos orar com Ela e orar-Lhe a Ela. A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria. Está-lhe unida na esperança (29).
Resumindo:
2680. A oração é principalmente dirigida ao Pai. Igualmente se dirige a Jesus, nomeadamente pela invocação do seu santo Nome: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!».
2681. «Ninguém pode dizer: “Jesus é o Senhor”, a não ser pela acção do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3). A Igreja convida-nos a invocar o Espírito Santo como mestre interior da oração cristã.
2682. Em virtude da sua singular cooperação com a acção do Espírito Santo, a Igreja gosta de orar em comunhão com a Virgem Maria, para enaltecer com Ela as grandes coisas que Deus n’Ela realizou e para Lhe confiar súplicas e louvores.
ARTIGO 3
GUIAS PARA A ORAÇÃO
UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS
2683. As testemunhas que nos precederam no Reino (30), especialmente aquelas que a Igreja reconhece como «santos», participam na tradição viva da oração pelo exemplo da sua vida, pela transmissão dos seus escritos e pela sua oração actual. Elas contemplam a Deus, louvam-n’ O e não cessam de tomar a seu cuidado os que deixaram na terra. Tendo entrado «na alegria» do seu Senhor, foram «estabelecidas à frente de muita coisa» (31). A sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao desígnio de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e por todo o mundo.
2684. Na comunhão dos santos desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas diversas espiritualidades. O carisma pessoal duma testemunha do amor de Deus pelos homens pode ter sido transmitido, como o espírito de Elias o foi a Eliseu (32) e a João Baptista (33), para que haja discípulos que partilhem desse espírito (34). Uma espiritualidade está também na confluência doutras correntes, litúrgicas e teológicas, e testemunha a inculturação da fé num determinado meio humano e na respectiva história. As espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias indispensáveis para os fiéis. Reflectem, na sua rica diversidade, a pura e única luz do Espírito Santo.
«O Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, para o Espírito, um lugar próprio, pois se oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo»(35).
SERVOS DA ORAÇÃO
2685. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimónio, é «a igreja doméstica» na qual os filhos de Deus aprendem a orar «em igreja» e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.
2686. Os ministros ordenados são também responsáveis pela formação na oração dos seus irmãos e irmãs em Cristo. Servos do Bom Pastor, são ordenados para guiar o povo de Deus até às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o «hoje» de Deus nas situações concretas (36).
2687. Muitos religiosos têm consagrado toda a sua vida à oração. Depois dos anacoretas do deserto do Egipto, eremitas, monges e monjas têm dedicado o seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão pelo seu povo. A vida consagrada não se mantém nem se propaga sem a oração; é uma das fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.
2688. A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra de Deus seja meditada na oração pessoal, actualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a piedade popular (37). A memorização das orações fundamentais oferece um suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça saborear o seu sentido (38).
2689. Grupos de oração e até «escolas de oração» são hoje um dos sinais e um dos estímulos da renovação da oração na Igreja, na condição de irem beber às fontes autênticas da oração cristã. A preocupação com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.
2690. O Espírito Santo concede a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento, em vista deste bem comum que é a oração (direcção espiritual). Aqueles e aquelas que de tais dons são dotados, são verdadeiros ministros da tradição viva da oração:
É por isso que a alma que quer progredir na perfeição deve, segundo o conselho de São João da Cruz, «olhar em que mãos se põe, porque, qual o mestre, tal será o discípulo, e tal pai, tal filho». E ainda: o guia, «além de sábio e discreto, é mister que seja experimentado» […]. Se o guia espiritual «não tem experiência do que é puro e verdadeiro espírito, não atinará a encaminhar nele, quando Deus lho dá, nem ainda o poderia entender» (39).
LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO
2691. A igreja, casa de Deus, é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial. É também o lugar privilegiado para a adoração da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. A escolha dum lugar favorável não é indiferente para a verdade da oração:
– para a oração pessoal, pode servir um «recanto de oração», com a Sagrada Escritura e ícones (imagens) para aí se estar «no segredo» diante do Pai (40). Numa família cristã, este género de pequeno oratório favorece a oração em comum;
– nas regiões onde existem mosteiros, tais comunidades estão vocacionadas para favorecer a participação dos fiéis na Liturgia das Horas e permitir a solidão necessária para uma oração pessoal mais intensa (41);
– as peregrinações evocam a nossa marcha na terra para o céu. São tradicionalmente tempos fortes duma oração renovada. Os santuários são, para os peregrinos à procura das suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver «em Igreja» as formas da oração cristã.
Resumindo:
2692. Na sua oração, a Igreja peregrina associa-se à dos santos, cuja intercessão solicita.
2693. As diferentes espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias preciosos da vida espiritual.
2694. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração.
2695. Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração, a «direcção espiritual» prestam, na Igreja, ajuda d oração.
2696. Os lugares mais favoráveis para a oração são: o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros, os santuários de peregrinação e, sobretudo, a igreja, que é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.
1. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821.
2. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821. ‘
3. Cf. Jo 4, 14.
4. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,25: AAS 58 (1966) 829; cf. Santo Ambrósio, De officiis ministrorum, 1, 88: ed. N. Testard (Paris 1984) p. 138 (PL 16, 50).
5. Guigo, O Cartuxo, Scala claustralium, 2, 2: PL 184, 476. Entretanto, estas palavras não foram retidas no texto da edição crítica SC 163, 84; veja-se aí o aparato crítico.
6. Instrução geral da Liturgia das Horas, 9: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 25 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 27].
7. São João Maria Baptista Vianney, Oração, In B. Nodet, Le Cure d’Ars. Sa pensée-son coeur (Le Puy 1966) p. 45.
8. Cf. Mt 6, 11.34.
9. Cf. Lc 13, 20-21.
10. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822.
11. Cf. Ex 3, 14; 33, 19-23.
12. Cf. Mt 1, 21. ‘
13. Cf. Rm 10, 13; Act 2, 21; 3, 15-16; Gl 2, 20.
14. Cf. Lc 18, 13; Mc 10, 46-52.
15. Cf. Lc 8, 15.
16. São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (theologica 5), 28: SC 250, 332 (PG 36, 165).
17. Cf. Lc 11, 13.
18. Cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13.
19. Solenidade de Pentecostes, Antífona do «Magnificat» nas I Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 798 [Liturgia das Horas, v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 930]; cf. Solenidade de Pentecostes, Sequência na Missa do dia: Lectionarium, v. 1, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970) p. 855-856 [Leccionário Dominical. Ano A (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1993) p. 238].
20. Ofício das Horas Bizantino, Vésperas do dia de Pentecostes, Sticherum 4: Pentêkostárion (Rome 1884) p. 394.
21. Cf. Act 1, 14.
22. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 62: AAS 57 (1965) 63.
23. Cf. Lc 1, 46-55.
24. Cf. Lc 1, 48. s
25. Cf. Sf 3, 17.
26. Cf. Lc 1, 48.
27. Cf. Jo 19, 27.
28. Cf. Jo 19, 27.
29. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 68-69: AAS 57 (1965) 66-67.
30. Cf. Heb 12, 1.
31. Cf. Mt 25, 21.
32. Cf. 2 Rs 2, 9.
33. Cf. Lc 1, 17.
34. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 2: AAS 58 (1966) 703.
35. São Basílio Magno, De Spiritu Sancto, 26, 62: SC 17bis, 472 (PG 32, 184).
36. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 4-6: AAS 58 (1966) 995-1001.
37. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 54: AAS 71 (1979) 1321-1322.
38. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 55: AAS 71 (1979) 1322-1323.
39. São João da Cruz, Llama de amor viva, redactio segunda, stropha 3, declaratio 30: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 171. [São João da Cruz, Chama viva de amor, III 30: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1986) p. 909].
40. Cf. Mt 6, 6.
41. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 7: AAS 58 (1966) 705.