2196-2557 | CAPÍTULO SEGUNDO
CAPÍTULO SEGUNDO
«AMARÁS O TEU PRÓXIMO
COMO A TI MESMO»
Jesus disse aos discípulos: «Amai-vos uns aos outros, como Eu vos amei» (Jo 13, 34).
2196. Respondendo à questão posta sobre o primeiro dos mandamentos, Jesus disse: «O primeiro é: “Escuta, Israel! O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças!”. O segundo é este: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Não há outro mandamento maior do que estes» (Mc 12, 29-31).
E o apóstolo São Paulo lembra: «Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. De facto: “Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás”, bem como qualquer outro mandamento, estão resumidos numa só frase: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”. O amor não faz mal ao próximo. Assim, é no amor que está o pleno cumprimento da lei» (Rm 13, 8-10).
ARTIGO 4
O QUARTO MANDAMENTO
«Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar» (Ex 20, 12).
«Era-lhes submisso» (Lc 2, 51).
O próprio Senhor Jesus lembrou a força deste «mandamento de Deus» (1). E o Apóstolo ensina: «Filhos, obedecei aos vossos pais, no Senhor, pois é isso que é justo. “Honra pai e mãe” – tal é o primeiro mandamento, com uma promessa “para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra”» (Ef 6, 1-3) (2).
2197. O quarto mandamento é o primeiro da segunda tábua, e indica a ordem da caridade. Deus quis que, depois de Si, honrássemos os nossos pais, a quem devemos a vida e que nos transmitiram o conhecimento de Deus. Temos obrigação de honrar e respeitar todos aqueles que Deus, para nosso bem, revestiu da sua autoridade.
2198. Este mandamento exprime-se sob a forma positiva de deveres a cumprir. Anuncia os mandamentos seguintes, relativos ao respeito particular pela vida, pelo matrimónio, pelos bens terrenos, pela palavra dada. E constitui um dos fundamentos da doutrina social da Igreja.
2199. O quarto mandamento dirige-se expressamente aos filhos nas suas relações com o pai e a mãe, porque esta relação é a mais universal. Mas diz respeito igualmente às relações de parentesco com os membros do grupo familiar. Exige que se preste honra, afeição e reconhecimento aos avós e antepassados. E, enfim, extensivo aos deveres dos alunos para com os professores, dos empregados para com os patrões, dos subordinados para com os chefes e dos cidadãos para com a pátria e para com quem os administra ou governa.
Este mandamento implica e subentende os deveres dos pais, tutores, professores, chefes, magistrados, governantes, todos aqueles que exercem alguma autoridade sobre outrem ou sobre uma comunidade de pessoas.
2200. A observância do quarto mandamento comporta a respectiva recompensa: «Honra pai e mãe, a fim de prolongares os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te vai dar» (Ex 20, 12) (3). O respeito por este mandamento proporciona, com os frutos espirituais, os frutos temporais da paz e da prosperidade. Pelo contrário, a sua inobservância acarreta grandes danos às comunidades e às pessoas humanas.
I. A família no plano de Deus
NATUREZA DA FAMÍLIA
2201. A comunidade conjugal assenta sobre o consentimento dos esposos. O matrimónio e a família estão ordenados para o bem dos esposos e para a procriação e educação dos filhos. O amor dos esposos e a geração dos filhos estabelecem, entre os membros duma mesma família, relações pessoais e responsabilidades primordiais.
2202. Um homem e uma mulher, unidos em matrimónio, formam com os seus filhos uma família. Esta disposição precede todo e qualquer reconhecimento por parte da autoridade pública e impõe-se a ela. Deverá ser considerada como a referência normal, em função da qual serão apreciadas as diversas formas de parentesco.
2203. Ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a da sua constituição fundamental. Os seus membros são pessoas iguais em dignidade. Para o bem comum dos seus membros e da sociedade, a família implica uma diversidade de responsabilidades, de direitos de deveres.
A FAMÍLIA CRISTÃ
2204. «A família cristã constitui uma revelação e uma realização específica da comunhão eclesial; por esse motivo […], há-de ser designada como uma igreja doméstica» (4). Ela é uma comunidade de fé, de esperança e de caridade: reveste-se duma importância singular na Igreja, como transparece do Novo Testamento (5).
2205. A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai e do Filho, no Espírito Santo. A sua actividade procriadora e educativa é o reflexo da obra criadora do Pai. É chamada a partilhar da oração e do sacrifício de Cristo. A oração quotidiana e a leitura da Palavra de Deus fortalecem nela a caridade. A família cristã é evangelizadora e missionária.
2206. As relações no seio da família comportam uma afinidade de sentimentos, de afectos e de interesses, que provêm sobretudo do mútuo respeito das pessoas. A família é uma comunidade privilegiada, chamada a realizar a comunhão das almas, o comum acordo dos esposos e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos (6).
II. A família e a sociedade
2207. A família é a célula originária da vida social. É ela a sociedade natural em que o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de relações no seio da família constituem os fundamentos da liberdade, da segurança, da fraternidade no seio da sociedade. A família é a comunidade em que, desde a infância, se podem aprender os valores morais, começar a honrar a Deus e a fazer bom uso da liberdade. A vida da família é iniciação à vida em sociedade.
2208. A família deve viver de modo que os seus membros aprendam a preocupar-se e a encarregar-se dos jovens e dos velhos, das pessoas doentes ou incapacitadas e dos pobres. São muitas as famílias que, em certos momentos, se não encontram em condições de prestar esta ajuda. Recai então sobre outras pessoas, outras famílias e, subsidiariamente, sobre a sociedade, o dever de prover a estas necessidades: «A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo» (Tg 1, 27).
2209. A família deve ser ajudada e defendida por medidas sociais apropriadas. Nos casos em que as famílias não estiverem em condições de cumprir as suas funções, os outros corpos sociais têm o dever de as ajudar e de amparar a instituição familiar. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade, as comunidades mais vastas abster-se-ão de lhe usurpar as suas prerrogativas ou de se imiscuir na sua vida.
2210. A importância da família na vida e no bem-estar da sociedade (7) implica uma responsabilidade particular desta no apoio e fortalecimento do matrimónio e da família. A autoridade civil deve considerar como seu grave dever «reconhecer e proteger a verdadeira natureza do matrimónio e da família, defender a moralidade pública e favorecer a prosperidade doméstica» (8).
2211. A comunidade política tem o dever de honrar a família, de a assistir e de nomeadamente lhe garantir:
– a Liberdade de fundar um lar, ter filhos e educá-Los de acordo com as suas próprias convicções morais e religiosas;
– a protecção da estabilidade do vínculo conjugal e da instituição familiar;
– a liberdade de professar a sua fé, de a transmitir, de educar nela os seus filhos, com os meios e as instituições necessárias;
– o direito à propriedade privada, a liberdade de iniciativa, de obter um trabalho, uma habitação e o direito de emigrar;
– consoante as instituições dos países, o direito aos cuidados médicos e à assistência aos idosos, bem como ao abono de família;
– a protecção da segurança e da salubridade, sobretudo no que respeita a perigos como a droga, a pornografia, o alcoolismo. etc.;
– a liberdade de formar associações com outras famílias e de ter assim representação junto das autoridades civis (9).
2212. O quarto mandamento esclarece as outras relações na sociedade. Nos nossos irmãos e irmãs vemos os filhos dos nossos pais; nos nossos primos, os descendentes dos nossos avós; nos nossos concidadãos, os filhos da nossa pátria; nos baptizados, os filhos da nossa mãe Igreja; em toda a pessoa humana, um filho ou filha d’Aquele que quer ser chamado «nosso Pai». Daí que as nossas relações com o próximo sejam reconhecidas como de ordem pessoal. O próximo não é um «indivíduo» da colectividade humana; é «alguém» que, pelas suas origens conhecidas, merece uma atenção e um respeito singulares.
2213. As comunidades humanas são compostas de pessoas. O bom governo das mesmas não se limita à garantia dos direitos e ao cumprimento dos deveres, bem como ao respeito pelos contratos. Relações justas entre patrões e empregados, governantes e cidadãos, pressupõem a benevolência natural, de acordo com a dignidade das pessoas humanas, solícitas pela justiça e pela fraternidade.
III. Deveres dos membros da família
DEVERES DOS FILHOS
2214. A paternidade divina é a fonte da paternidade humana (10); nela se fundamenta a honra devida aos pais. O respeito dos filhos, menores ou adultos, pelo seu pai e pela sua mãe (11) nutre-se do afecto natural nascido dos laços que os unem. Exige-o o preceito divino (12).
2215. O respeito pelos pais (piedade filial) é feito de reconhecimento àqueles que, pelo dom da vida, pelo seu amor e seu trabalho, puseram os filhos no mundo e lhes permitiram crescer em estatura, sabedoria e graça. «Honra o teu pai de todo o teu coração e não esqueças as dores da tua mãe. Lembra-te de que foram eles que te geraram. Como lhes retribuirás o que por ti fizeram?» (Sir 7, 27-28).
2216. O respeito filial revela-se na docilidade e na obediência autênticas. «Observa, meu filho, as ordens do teu pai, e não desprezes os ensinamentos da tua mãe […]. Servir-te-ão de guia no caminho, velarão por ti quando dormires, e falarão contigo ao despertares» (Pr 6, 20.22). «O filho sábio é fruto da correcção paterna, mas o insolente não aceita a repreensão» (Pr 13, 1).
2117. Enquanto viver na casa dos pais, o filho deve obedecer a tudo o que eles lhe mandarem para seu bem ou o da família. «Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto agrada ao Senhor» (Cl 3, 20) (13). Os filhos devem também obedecer às prescrições razoáveis dos seus educadores e de todos aqueles a quem os pais os confiaram. Mas se o filho se persuadir, em consciência, de que é moralmente mau obedecer a determinada ordem, não o faça.
Com o crescimento, os filhos continuarão a respeitar os pais. Adivinharão os seus desejos, pedirão de boa vontade os seus conselhos e aceitarão as suas admoestações justificadas. A obediência aos pais cessa com a emancipação: mas não o respeito que sempre lhes é devido. É que este tens a sua raiz no temor de Deus, que é um dos dons do Espírito Santo.
2218. O quarto mandamento lembra aos filhos adultos as suas responsabilidades para com os pais. Tanto quanto lhes for possível, devem prestar-lhes ajuda material e moral, nos anos da velhice e no tempo da doença, da solidão ou do desânimo. Jesus lembra este dever de gratidão (14).
«Deus quis honrar o pai pelos filhos e cuidadosamente firmou sobre eles a autoridade da mãe. O que honra o pai alcança o perdão dos seus pecados e quem honra a mãe é semelhante àquele que acumula tesouros. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será ouvido no dia da sua oração. Quem honra o pai gozará de longa vida e quem lhe obedece consolará a sua mãe» (Sir 3, 2-6).
«Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida. Mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças […]. É como um blasfemador o que desampara o seu pai e é amaldiçoado por Deus aquele que irrita a sua mãe» (Sir 3, 12-16).
2219. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar; engloba também as relações entre irmãos e irmãs. O respeito pelos pais impregna todo o ambiente familiar. «A coroa dos anciãos são os filhos dos seus filhos» (Pr 17, 6). «Suportai-vos uns aos outros na caridade, com toda a humildade, mansidão e paciência» (Ef 4, 2).
2220. Os cristãos, têm o dever de ser especialmente gratos àqueles de quem receberam o dom da fé, a graça do Baptismo e a vida na Igreja. Pode tratar-se dos pais, de outros membros da família, dos avós, dos pastores, dos catequistas, dos professores ou amigos. «Conservo a lembrança da tua fé tão sincera, que foi primeiro a da tua avó Lóide e da tua mãe Eunice, e que, estou certo, habita também em ti» (2 Tm 1, 5).
DEVERES DOS PAIS
2221. A fecundidade do amor conjugal não se reduz apenas à procriação dos filhos. Deve também estender-se à sua educação moral e à sua formação espiritual. O «papel dos pais na educação é de tal importância que é impossível substituí-los» (15). O direito e o dever da educação são primordiais e inalienáveis para os país (16).
2222. Os pais devem olhar para os seus filhos como filhos de Deus e respeitá-los como pessoas humanas. Educarão os seus filhos no cumprimento da lei de Deus, na medida em que eles próprios se mostrarem obedientes à vontade do Pai dos céus.
2223. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos. Testemunham esta responsabilidade, primeiro pela criação dum lar onde são regra a ternura, o perdão, o respeito, a fidelidade e o serviço desinteressado. O lar é um lugar apropriado para a educação das virtudes, a qual requer a aprendizagem da abnegação, de sãos critérios, do autodomínio, condições da verdadeira liberdade. Os pais ensinarão os filhos a subordinar «as dimensões físicas e instintivas às dimensões interiores e espirituais» (17). Os pais têm a grave responsabilidade de dar bons exemplos aos filhos. Sabendo reconhecer diante deles os próprios defeitos, serão mais capazes de os guiar e corrigir:
«Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência […]. Aquele que dá ensinamentos ao seu filho será louvado» (Sir 30, 1-2). «E vós, pais, não irriteis os vossos filhos: pelo contrário, educai-os com disciplina e advertências inspiradas pelo Senhor» (Ef 6, 4).
2224. O lar constitui o âmbito natural para a iniciação da pessoa humana na solidariedade e nas responsabilidades comunitárias. Os pais devem ensinar os filhos a acautelar-se dos perigos e degradações que ameaçam as sociedades humanas.
2225. Pela graça do sacramento do matrimónio, os pais receberam a responsabilidade e o privilégio de evangelizar os filhos. Desde tenra idade devem iniciá-los nos mistérios da fé, de que são os «primeiros arautos» (18). Hão-de associá-los, desde a sua primeira infância, à vida da Igreja. A maneira como se vive em família pode alimentar as disposições afectivas, que durante toda a vida permanecem como autêntico preâmbulo e esteio duma fé viva.
2226. A educação da fé por parte dos pais deve começar desde a mais tenra infância. Faz-se já quando os membros da família se ajudam mutuamente a crescer na fé pelo testemunho duma vida cristã, de acordo com o Evangelho. A catequese familiar precede, acompanha e enriquece as outras formas de ensinamento da fé. Os pais têm a missão de ensinar os filhos a rezar e a descobrir a sua vocação de filhos de Deus (19). A paróquia é a comunidade eucarística e o coração da vida litúrgica das famílias cristãs: é o lugar privilegiado da catequese dos filhos e dos pais.
2227. Por sua vez, os filhos contribuem para o crescimento dos seus pais na santidade (20). Todos e cada um se darão, generosamente e sem se cansar, o perdão mútuo exigido pelas ofensas, querelas, injustiças e abandonos. Assim o sugere o afecto mútuo. E assim o exige a caridade de Cristo (21).
2228. Durante a infância, o respeito e o carinho dos pais traduzem-se, primeiro, no cuidado e na atenção que consagram à educação dos filhos, para prover as suas necessidades, físicas e espirituais. A medida que vão crescendo, o mesmo respeito e dedicação levam os pais a educar os filhos no sentido dum uso correcto da sua razão e da sua liberdade.
2229. Como primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, os pais têm o direito de escolher para eles uma escola que corresponda às suas próprias convicções. É um direito fundamental. Tanto quanto possível, os pais têm o dever de escolher as escolas que melhor os apoiem na sua tarefa de educadores cristãos (22). Os poderes públicos têm o dever de garantir este direito dos pais e de assegurar as condições reais do seu exercício.
2230. Ao tornarem-se adultos, os filhos têm o dever e o direito de escolher a sua profissão e o seu estado de vida. Devem assumir as novas responsabilidades numa relação de confiança com os seus pais, a quem pedirão e de quem de boa vontade receberão opiniões e conselhos. Os pais terão o cuidado de não constranger os filhos, nem na escolha duma profissão, nem na escolha do cônjuge. Mas este dever de discrição não os proíbe, muito pelo contrário, de os ajudar com opiniões ponderadas, sobretudo quando tiverem em vista a fundação dum novo lar.
2231. Há quem não se case para cuidar dos pais ou dos irmãos e irmãs; ou para se dedicar mais exclusivamente a uma profissão; ou ainda por outros motivos válidos. Esses podem contribuir muitíssimo para o bem da família humana.
IV. A família e o Reino
2232. São importantes, mas não absolutos, os laços familiares. Quanto mais a criança cresce para a maturidade e autonomia humanas e espirituais, tanto mais a sua vocação individual, que vem de Deus, se afirma com nitidez e força. Os pais devem respeitar este chamamento e apoiar a resposta dos filhos para o seguir. Hão-de convencer-se de que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus (23): «Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim, não é digno de Mim» (Mt 10, 37).
2233. Tornar-se discípulo de Jesus é aceitar o convite para pertencer à família de Deus, para viver em conformidade com a sua maneira de viver: «Todo aquele que fizer a vontade do meu Pai que está nos céus, é que é meu irmão e minha irmã e minha mãe» (Mt 12, 50).
Os pais devem acolher e respeitar, com alegria e acção de graças, o chamamento que o Senhor fizer a um dos seus filhos, para O seguir na virgindade pelo Reino, na vida consagrada ou no ministério sacerdotal.
V. As autoridades na sociedade civil
2234. O quarto mandamento da Lei de Deus manda que honremos também todos aqueles que, para nosso bem, receberam de Deus alguma autoridade na sociedade. E esclarece os deveres dos que exercem essa autoridade, bem como os daqueles que dela beneficiam.
DEVERES DAS AUTORIDADES CIVIS
2235. Aqueles que exercem alguma autoridade, devem exercê-la como quem presta um serviço. «Quem quiser entre vós tornar-se grande, será vosso servo» (Mt 20, 26). O exercício da autoridade é moralmente regulado pela sua origem divina, pela sua natureza racional e pelo seu objecto específico. Ninguém pode mandar ou instituir o que for contrário à dignidade das pessoas e à lei natural.
2236. O exercício da autoridade visa tornar manifesta uma justa hierarquia de valores, a fim de facilitar o exercício da liberdade e da responsabilidade de todos. Os superiores exerçam a justiça distributiva com sabedoria, tendo em conta as necessidades e a contribuição de cada qual, e em vista da concórdia e da paz. Estarão atentos a que as regras e disposições que tomam não induzam em tentação, opondo o interesse pessoal ao da comunidade (24).
2237. Os poderes políticos são obrigados a respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. Administrarão a justiça como humanidade, respeitando o direito de cada qual, nomeadamente das famílias e dos deserdados.
Os direitos políticos inerentes à cidadania podem e devem ser reconhecidos conforme as exigências do bem comum. Não podem ser suspensos pelos poderes públicos sem motivo legítimo e proporcionado. O exercício dos direitos políticos orienta-se para o bem comum da nação e da comunidade humana.
DEVERES DOS CIDADÃOS
2238. Os que estão sujeitos à autoridade considerarão os seus superiores como representantes de Deus, que os instituiu ministros dos seus dons «Submetei-vos, por causa do Senhor, a toda a instituição humana […]. Procedei como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade capa da sua malícia, mas como servos de Deus» (1 Pe 2, 13.16). A sua colaboração leal comporta o direito, e às vezes o dever, duma justa reclamação de quanto lhes parecer prejudicial à dignidade das pessoas e ao bem da comunidade.
2239. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis para o bem da sociedade, num espírito de verdade, de justiça, de solidariedade e de liberdade. O amor e o serviço da pátria derivam do dever da gratidão e da ordem da caridade. A submissão às autoridades legítimas e o serviço do bem comum exigem dos cidadãos que cumpram o seu papel na vida da comunidade política.
2240. A submissão à autoridade e a corresponsabilidade pelo bem comum exigem moralmente o pagamento dos impostos, o exercício do direito de voto, a defesa do país:
«Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o respeito, a quem se deve o respeito; a honra, a quem se deve a honra» (Rm 13, 7).
Os cristãos «residem na sua própria pátria, mas vivem todos como de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria […]. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis […]. Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é lícito desertar» (26).
O Apóstolo exorta-nos a fazer súplicas e acções de graças pelos reis e por todos aqueles que exercem a autoridade, «a fim de que possamos ter uma vida calma e tranquila, com toda a piedade e dignidade» (1 Tm 2, 2).
2241. As nações mais abastadas devem acolher, tanto quanto possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não consegue encontrar no seu país de origem. Os poderes públicos devem velar pelo respeito do direito natural que coloca o hóspede sob a protecção daqueles que o recebem.
As autoridades políticas podem, em vista do bem comum de que têm a responsabilidade, subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, nomeadamente no respeitante aos deveres que os imigrantes contraem para com o país de adopção. O imigrado tem a obrigação de respeitar com reconhecimento o património material e espiritual do país que o acolheu, de obedecer às suas leis e de contribuir para o seu bem.
2242. O cidadão é obrigado, em consciência, a não seguir as prescrições das autoridades civis, quando tais prescrições forem contrárias às exigências de ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. A recusa de obediência às autoridades civis, quando as suas exigências forem contrárias às da recta consciência, tem a sua justificação na distinção entre o serviço de Deus e o serviço da comunidade política. «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21). «Deve obedecer-se antes a Deus que aos homens» (Act 5, 29):
«Quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria competência, oprimir os cidadãos, estes não se recusem às exigências objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites definidos pela lei natural e pelo Evangelho, defender os seus próprios direitos e os dos seus concidadãos contra o abuso dessa autoridade» (27).
2243. A resistência à opressão do poder político não recorrerá legitimamente às armas, senão nas seguintes condições:
1 – em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais;
2 – depois de ter esgotado todos os outros recursos;
3 – se não provocar desordens piores;
4 – se houver esperança fundada de êxito;
5 – e se for impossível prever razoavelmente soluções melhores.
A COMUNIDADE POLÍTICA E A IGREJA
2244. Toda a instituição se inspira, mesmo que implicitamente, numa visão do homem e do seu destino, visão da qual tira as suas referências de juízo, a sua hierarquia de valores, a sua linha de procedimento. A maior parte das sociedades referiram as suas instituições a uma certa preeminência do homem sobre as coisas. Só a religião divinamente revelada é que reconheceu claramente em Deus, Criador e Redentor, a origem e o destino do homem. A Igreja convida os poderes políticos a referenciar os seus juízos e decisões a esta inspiração da verdade sobre Deus e sobre o homem:
As sociedades que ignoram esta inspiração ou a recusam em nome da sua independência em relação a Deus, são levadas a procurar em si mesmas ou a tomar de uma ideologia as suas referências e o seu fim: e não admitindo que se defenda um critério objectivo do bem e do mal, a si mesmas atribuem, sobre o homem e o seu destino, um poder totalitário, declarado ou oculto, como a história tem mostrado» (31).
2245. «A Igreja que, em virtude da sua função e competência, de modo algum se confunde com a comunidade política, […] é, ao mesmo tempo, sinal e salvaguarda do carácter transcendente da pessoa humana» (29). « A Igreja respeita e promove a liberdade política e a responsabilidade dos cidadãos» (30).
2246. Faz parte da missão da Igreja «proferir um juízo moral, mesmo acerca das realidades que dizem respeito à ordem política, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem utilizando todos e só os meios conformes com o Evangelho e o bem de todos segundo a variedade dos tempos e circunstâncias» (31).
Resumindo:
2247. «Honra pai e mãe» (Dt 5, 16; Mc 7, 10).
2248. Segundo o quarto mandamento, Deus quis que, depois d’Ele, honrássemos os nossos pais e aqueles que, para nosso bem, Ele revestiu de autoridade.
2249. A comunidade conjugal está fundada na aliança e no consentimento dos esposos. O matrimónio e a família estão ordenados para o bem dos cônjuges e para a procriação e educação dos filhos.
2250. «A saúde da pessoa e da sociedade humana e cristã depende estreitamente de uma situação favorável da comunidade conjugal e familiar» (32).
2251. Os filhos devem aos pais respeito, gratidão, obediência justa e ajuda. O respeito filial favorece a harmonia de toda a vida familiar.
2252. Os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos na fé, na oração, e em todas as virtudes. Eles têm o dever de prover, na medida do possível, às necessidades físicas e espirituais dos seus filhos.
2253. Os pais devem respeitar e favorecer a vocação dos seus filhos. Hão-de lembrar-se e hão-de ensinar-lhes que a primeira vocação do cristão é seguir Jesus.
2254. A autoridade pública tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana e as condições do exercício da sua liberdade.
2255. É dever dos cidadãos colaborar com os poderes civis na edificação da sociedade, num espírito de verdade, justiça, solidariedade e liberdade.
2256. O cidadão está obrigado em consciência a não seguir as prescrições das autoridades civis quando tais prescrições forem contrárias às exigências da ordem moral. «Deve obedecer-se antes a Deus do que aos homens» (Act 5, 29).
2257. Toda a sociedade refere os seus juízos e a sua conduta a uma visão do homem e do seu destino. Fora das luzes do Evangelho sobre Deus e sobre o homem, as sociedades facilmente resvalam para o totalitarismo.
ARTIGO 5
O QUINTO MANDAMENTO
«Não matarás» (Ex 20, 13).
«Ouvistes o que foi dito aos antigos: “Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo”. Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão, será réu perante o tribunal» (Mt 5, 21-22).
2258. «A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a acção criadora de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte directamente a um ser humano inocente» (33).
I. O respeito pela vida humana
TESTEMUNHO DA HISTÓRIA SAGRADA
2259. A Sagrada Escritura, na narrativa da morte de Abel pelo seu irmão Caim (34), revela, desde os primórdios da história humana, a presença no homem da cólera e da inveja, consequências do pecado original. O homem tornou-se inimigo do seu semelhante. Deus denuncia a perversidade deste fratricídio: «Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama da terra por Mim. De futuro, serás maldito sobre a terra, que abriu a sua boca para beber, da tua mão, o sangue do teu irmão» (Gn 4, 10‑11).
2260. A aliança entre Deus e a humanidade é entretecida de referências ao dom divino da vida humana e à violência assassina do homem:
«Pedirei contas do vosso sangue […]. A quem derramar sangue humano, por mão de homem será derramado o seu, porque Deus fez o homem à sua imagem» (Gn 9, 5-61).
O Antigo Testamento considerou sempre o sangue como um sinal sagrado da vida (35). E este ensinamento é válido para todos os tempos.
2261. A Escritura determina a proibição contida no quinto mandamento: «Não causarás a morte do inocente e do justo» (Ex 23, 7). O homicídio voluntário dum inocente é gravemente contrário à dignidade do ser humano, à regra de ouro e à santidade do Criador. A lei que o proíbe universalmente válida: obriga a todos e a cada um, sempre e em toda a parte.
2262. No sermão da montanha, o Senhor lembra o preceito: «Não matarás» (Mt 5, 21) e acrescenta-lhe a proibição da ira, do ódio e da vingança. Mais ainda: Cristo exige do seu discípulo que ofereça a outra face (36), que ame os seus inimigos (37). Ele próprio não Se defendeu e disse a Pedro que deixasse a espada na bainha (38).
A LEGÍTIMA DEFESA
2263. A defesa legítima das pessoas e das sociedades não é uma excepção à proibição de matar o inocente que constitui o homicídio voluntário. «Do acto de defesa pode seguir-se um duplo efeito: um, a conservação da própria vida; outro, a morte do agressor» (39). «Nada impede que um acto possa ter dois efeitos, dos quais só um esteja na intenção, estando o outro para além da intenção» (40).
2264. O amor para consigo mesmo permanece um princípio fundamental de moralidade. E, portanto, legítimo fazer respeitar o seu próprio direito à vida. Quem defende a sua vida não é réu de homicídio, mesmo que se veja constrangido a desferir sobre o agressor um golpe mortal:
«Se, para nos defendermos, usarmos duma violência maior do que a necessária, isso será ilícito. Mas se repelirmos a violência com moderação, isso será lícito […]. E não é necessário à salvação que se deixe de praticar tal acto de defesa moderada para evitar a morte do outro: porque se está mais obrigado a velar pela própria vida do que pela alheia» (41).
2265. A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas até um grave dever para aquele que é responsável pela vida de outrem. Defender o bem comum implica colocar o agressor injusto na impossibilidade de fazer mal. É por esta razão que os detentores legítimos da autoridade têm o direito de recorrer mesmo às armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade.
2266. O esforço do Estado em reprimir a difusão de comportamentos que lesam os direitos humanos e as regras fundamentais da convivência civil, corresponde a uma exigência de preservar o bem comum. É direito e dever da autoridade pública legítima infligir penas proporcionadas à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objectivo reparar a desordem introduzida pela culpa. Quando esta pena é voluntariamente aceite pelo culpado, adquire valor de expiação. A pena tem ainda como objectivo, para além da defesa da ordem pública e da protecção da segurança das pessoas, uma finalidade medicinal, posto que deve, na medida do possível, contribuir para a emenda do culpado.
2267. Durante muito tempo, considerou-se o recurso à pena de morte por parte da autoridade legítima, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum.
Hoje vai-se tornando cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não se perde, mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos. Além disso, difundiu-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Por fim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos sem, ao mesmo tempo, tirar definitivamente ao réu a possibilidade de se redimir.
Por isso a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que «a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa» [Discurso aos participantes no encontro promovido pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização, 11 de outubro de 2017], e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo.
O HOMICÍDIO VOLUNTÁRIO
2268. O quinto mandamento proíbe, como gravemente pecaminoso, o homicídio directo e voluntário. O assassino e quantos voluntariamente colaboram no assassinato cometem um pecado que brada ao céu (43).
O infanticídio (44), o fratricídio, o parricídio e o assassinato do cônjuge são crimes especialmente graves, em razão dos laços naturais que eles quebram. Não se podem invocar preocupações de eugenismo ou de higiene pública para justificar qualquer homicídio, ainda que tal seja imposto pelos poderes públicos
2269. O quinto mandamento proíbe fazer seja o que for com a intenção de provocar indirectamente a morte duma pessoa. A lei moral proíbe expor alguém, sem razão grave, a um perigo mortal, assim como negar assistência a uma pessoa em perigo.
A aceitação pela sociedade humana de fomes mortíferas, sem se esforçar por lhe dar remédio, é uma escandalosa injustiça e um pecado grave. Os traficantes, cujas práticas usurárias e mercantis provocam a fome e a morte dos seus irmãos em humanidade, cometem indirectamente homicídio, que lhes é imputável (45).
O homicídio involuntário não é moralmente imputável. Mas não se é desculpado de falta grave se, sem razões proporcionadas, se proceder de maneira a causar a morte, mesmo sem a intenção de a provocar.
O ABORTO
2270. A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto, a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, devem ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo o ser inocente à vida (46).
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi: antes que saísses do seio da tua mãe, Eu te consagrei» (Jr 1, 5).
«Vós conhecíeis já a minha alma e nada do meu ser Vos era oculto, quando secretamente era formado, modelado nas profundidades da terra» (Sl 139, 15).
2271. A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:
«Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» (47).
«Deus […], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis» (48).
2272. A colaboração formal num aborto constitui falta grave. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão este delito contra a vida humana. «Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito («effectu secuto») incorre em excomunhão latae sententiae (49), isto é, «pelo facto mesmo de se cometer o delito» (50) e nas condições previstas pelo Direito (50). A Igreja não pretende, deste modo, restringir o campo da misericórdia. Simplesmente, manifesta a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente que foi morto, aos seus pais e a toda a sociedade.
2273. O inalienável direito à vida, por parte de todo o indivíduo humano inocente, é um elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação:
«Os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados pela sociedade civil e pela autoridade política. Os direitos do homem não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, nem mesmo representam uma concessão da sociedade e do Estado. Pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa, em razão do acto criador que lhe deu origem. Entre estes direitos fundamentais deve aplicar-se o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde a concepção até à morte» (52).
«Desde o momento em que uma lei positiva priva determinada categoria de seres humanos da protecção que a legislação civil deve conceder-lhes, o Estado acaba por negar a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe a sua força ao serviço dos direitos de todos os cidadãos, em particular dos mais fracos, encontram-se ameaçados os próprios fundamentos dum «Estado de direito» […]. Como consequência do respeito e da protecção que devem ser garantidos ao nascituro, desde o momento da sua concepção, a lei deve prever sanções penais apropriadas para toda a violação deliberada dos seus direitos» (53).
2274. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a concepção, o embrião terá de ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano.
O diagnóstico pré-natal é moralmente lícito, desde que «respeite a vida e a integridade do embrião ou do feto humano, e seja orientado para a sua defesa ou cura individual […]. Mas está gravemente em oposição com a lei moral, se previr, em função dos resultados, a eventualidade de provocar um aborto. Um diagnóstico […] não pode ser equivalente a uma sentença de morte» (54).
2275. «Devem considerar-se lícitas as intervenções no embrião humano, sempre que respeitem a vida e a integridade do mesmo e não envolvam para ele riscos desproporcionados, antes tenham em vista a sua cura, as melhoria das suas condições de saúde ou a sua sobrevivência individual» (55).
«É imoral produzir embriões humanos destinados a serem explorados como material biológico disponível» (56).
«Certas tentativas de intervenção no património cromossomático ou genético não são terapêuticas, mas têm em cesta a produção de seres humanos seleccionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Tais manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade única, irrepetível» (57).
A EUTANÁSIA
2276. Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial. As pessoas doentes ou deficientes devem ser amparadas, para que possam levar uma vida tão normal quanto possível.
2277. Quaisquer que sejam os motivos e os meios, a eutanásia directa consiste em pôr fim à vida de pessoas deficientes, doentes ou moribundas. É moralmente inaceitável.
Assim, uma acção ou uma omissão que, de per si ou na intenção, cause a morte com o fim de suprimir o sofrimento, constitui um assassínio gravemente contrário à dignidade da pessoa humana e ao respeito do Deus vivo, seu Criador. O erro de juízo, em que se pode ter caído de boa fé, não muda a natureza do acto homicida, o qual deve sempre ser condenado e posto de parte (58).
2278. A cessação de tratamentos médicos onerosos, perigosos, extraordinários ou desproporcionados aos resultados esperados, pode ser legítima. É a rejeição do «encarniçamento terapêutico». Não que assim se pretenda dar a morte; simplesmente se aceita o facto de a não poder impedir. As decisões devem ser tomadas pelo paciente se para isso tiver competência e capacidade; de contrário, por quem para tal tenha direitos legais, respeitando sempre a vontade razoável e os interesses legítimos do paciente.
2279. Mesmo que a morte seja considerada iminente, os cuidados habitualmente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente interrompidos. O uso dos analgésicos para aliviar os sofrimentos do moribundo, mesmo correndo-se o risco de abreviar os seus dias, pode ser moralmente conforme com a dignidade humana, se a morte não for querida, nem como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável. Os cuidados paliativos constituem uma forma excepcional da caridade desinteressada; a esse título, devem ser encorajados.
O SUICÍDIO
2280. Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela.
2281. O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo.
2282. Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral.
Perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida.
2283. Não se deve desesperar da salvação eterna das pessoas que se suicidaram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida.
II. O respeito pela dignidade das pessoas
O RESPEITO PELA ALMA DO PRÓXIMO: O ESCÂNDALO
2284. O escândalo é a atitude ou comportamento que leva outrem a fazer o mal. O escandaloso transforma-se em tentador do seu próximo; atenta contra a virtude e a rectidão, podendo arrastar o irmão para a morte espiritual. O escândalo constitui uma falta grave se, por acção ou omissão, levar deliberadamente outra pessoa a cometer uma falta grave.
2285. O escândalo reveste-se duma gravidade particular conforme a autoridade dos que o causam ou a fraqueza dos que dele são vítimas. Ele inspirou esta maldição a nosso Senhor: «Mas se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar» (Mt 18, 6) (59). O escândalo é grave quando é causado por aqueles que, por natureza ou em virtude da função que exercem, tem a obrigação de ensinar e de educar os outros. Jesus censura-o nos escribas e fariseus, comparando-os a lobos disfarçados de cordeiros (60).
2286. O escândalo pode ser provocado pela lei ou pelas instituições, pela moda ou pela opinião.
É assim que se tornam culpados de escândalo os que estabelecem leis ou estruturas sociais conducentes à degradação dos costumes e à corrupção da vida religiosa, ou a «condições sociais que, voluntária ou involuntariamente, tornam difícil e praticamente impossível uma conduta cristã conforme aos mandamentos» (61). O mesmo se diga dos chefes de empresa que tomam medidas incitando à fraude, dos professores que «exasperam» os seus alunos (62), ou daqueles que, manipulando a opinião pública, a desviam dos valores morais.
2287. Aquele que usa dos poderes de que dispõe, em condições que induzem a agir mal, torna-se culpado de escândalo e responsável pelo mal que, directa ou indirectamente, favorece. «É inevitável que haja escândalos, mas ai daquele que os causa» (Lc 17, 1).
O RESPEITO PELA SAÚDE
2288. A vida e a saúde física são bens preciosos, confiados por Deus. Temos a obrigação de cuidar razoavelmente desses dons, tendo em conta as necessidades alheias e o bem comum.
O cuidado da saúde dos cidadãos requer a ajuda da sociedade para se conseguirem condições de vida que permitam crescer e atingir a maturidade: alimentação e vestuário, casa, cuidados de saúde, ensino básico, emprego, assistência social.
2289. Se a moral apela para o respeito da vida corporal, não é que faça dela um valor absoluto. Pelo contrário, insurge-se contra uma concepção neo-pagã, tendente a promover o culto do corpo, sacrificando-lhe tudo, e a idolatrar a perfeição física e o êxito desportivo. Pela escolha selectiva que faz entre os fortes e os fracos, tal concepção pode conduzir à perversão das relações humanas.
2290. A virtude da temperança leva a evitar toda a espécie de excessos, o abuso da comida, da bebida, do tabaco e dos medicamentos. Aqueles que, em estado de embriaguez ou por gosto imoderado da velocidade, põem em risco a segurança dos outros e a sua própria, nas estradas, no mar ou no ar, tornam-se gravemente culpados.
2291. O uso de estupefacientes causa gravíssimos danos à saúde e à vida humana. A não ser por prescrições estritamente terapêuticas, o seu uso é uma falta grave. A produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas, e constituem uma cooperação directa, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral.
O RESPEITO PELA PESSOA E A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA
2292. As experiências científicas, médicas ou psicológicas, sobre pessoas ou grupos humanos, podem concorrer para a cura dos doentes e para o progresso da saúde pública.
2293. A investigação científica de base, tanto como a aplicada, constituem uma expressão significativa do domínio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica são recursos preciosos quando, postos ao serviço do homem, promovem o seu desenvolvimento integral em benefício de todos. Mas, só por si, não podem indicar o sentido da existência e do progresso humano. A ciência e a técnica estão ordenadas para o homem, a quem devem a sua origem e progressos. Por isso, é na pessoa e nos seus valores morais que encontram a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites.
2294. É ilusório reivindicar a neutralidade moral da investigação científica e das suas aplicações. Por outro lado, os critérios de orientação não podem deduzir-se nem da simples eficácia nem da utilidade que daí pode advir para uns em prejuízo de outros, nem, pior ainda, das ideologias dominantes. A ciência e a técnica requerem, pelo seu próprio significado intrínseco, o respeito incondicional dos critérios fundamentais da moralidade: devem estar ao serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis, do seu bem autêntico e integral, de acordo com o projecto e a vontade de Deus.
2295. As investigações ou experiências sobre o ser humano não podem legitimar actos em si mesmos contrários à dignidade das pessoas e à lei moral. O eventual consentimento dos sujeitos não justifica tais actos. A experimentação sobre o ser humano não é moralmente legítima, se fizer correr riscos desproporcionados, ou evitáveis, à vida ou à integridade física ou psíquica do sujeito. A experimentação sobre seres humanos não é conforme à dignidade da pessoa se, ainda por cima, for feita sem o consentimento esclarecido do sujeito ou de quem sobre ele tem responsabilidades.
2296. A transplantação de órgãos é conforme à lei moral se os perigos e riscos físicos e psíquicos, em que o doador incorre, forem proporcionados ao bem que se procura em favor do destinatário. A doação de órgãos após a morte é um acto nobre e meritório e deve ser encorajado como uma manifestação de generosa solidariedade. Mas não é moralmente aceitável se o doador ou os seus representantes lhe não tiverem dado o seu consentimento expresso. Para além disso, e moralmente inadmissível provocar directamente a mutilação que leve à invalidez ou à morte dum ser humano, ainda que isso se faça para retardar a morte de outras pessoas.
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE CORPORAL
2297. Os raptos e o sequestro de reféns espalham o terror e, pela ameaça, exercem intoleráveis pressões sobre as vítimas. São moralmente ilegítimos. O terrorismo ameaça, fere e mata sem descriminação; é gravemente contrário à justiça e à caridade. A tortura, que usa a violência física ou moral para arrancar confissões, para castigar culpados, atemorizar opositores ou satisfazer ódios, é contrária ao respeito pela pessoa e pela dignidade humana. A não ser por indicações médicas de ordem estritamente terapêutica, as amputações, mutilações ou esterilizações directamente voluntárias de pessoas inocentes, são contrárias à lei moral (63).
2298. Nos tempos passados, certas práticas de crueldade foram comummente adoptadas por governos legítimos para manter a lei e a ordem, muitas vezes sem protesto dos pastores da Igreja, tendo eles mesmos adoptado, nos seus próprios tribunais, as prescrições do direito romano sobre a tortura. A par destes factos lastimáveis, a Igreja ensinou sempre o dever da clemência e da misericórdia; e proibiu aos clérigos o derramamento de sangue. Nos tempos recentes, tornou-se evidente que estas práticas cruéis não eram necessárias à ordem pública nem conformes aos direitos legítimos da pessoa humana. Pelo contrário, tais práticas conduzem às piores degradações. Deve trabalhar-se pela sua abolição e orar pelas vítimas e seus carrascos.
O RESPEITO PELOS MORTOS
2299. Aos moribundos deve dispensar-se toda a atenção e cuidado, para os ajudar a viver os últimos momentos com dignidade e paz. Devem ser ajudados pela oração dos que lhes são mais próximos. Estes velarão por que os doentes recebam, em tempo oportuno, os sacramentos que os preparam para o encontro com o Deus vivo.
2300. Os corpos dos defuntos devem ser tratados com respeito e caridade, na fé e esperança da ressurreição. Enterrar os mortos é uma obra de misericórdia corporal (64) que honra os filhos de Deus, templos do Espírito Santo.
2301. A autópsia dos cadáveres pode ser moralmente admitida por motivos de investigação legal ou pesquisa científica. O dom gratuito de órgãos depois da morte é legítimo e até pode ser meritório.
A Igreja permite a cremação a não ser que esta ponha em causa a fé na ressurreição dos corpos (65).
A salvaguarda da paz
A PAZ
2302. Evocando o preceito «Não matarás» (Mt 5, 21), nosso Senhor pede a paz do coração e denuncia a imoralidade da cólera assassina e do ódio:
A ira é um desejo de vingança. «Desejar a vingança, para mal daquele que deve ser castigado, é ilícito»; mas impor uma reparação «para correcção do vício e para conservar o bem da justiça», isso é louvável (66). Se a ira for até ao desejo deliberado de matar o próximo ou de o ferir gravemente, ofende de modo grave a caridade, e é pecado mortal. O Senhor diz: «Quem se irar contra o seu irmão, será sujeito a julgamento» (Mt 5, 22).
2303. O ódio voluntário é contra a caridade. Odiar o próximo, querendo-lhe mal deliberadamente é pecado. É pecado grave, quando deliberadamente se lhe deseja um mal grave. «Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus…» (Mt 5, 44-45).
2304. O respeito e o crescimento da vida humana exigem a paz. A paz não é só ausência da guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade. Ela é «tranquilidade da ordem» (67); é «obra da justiça» (Is 32, 17) e efeito da caridade (68).
2305. A paz terrena é imagem e fruto da paz de Cristo, o «Príncipe da Paz» messiânico (Is 9, 5). Pelo sangue da sua cruz, Ele, levando em Si próprio a morte à inimizade (69), reconciliou com Deus os homens e fez da sua Igreja o sacramento da unidade do género humano e da sua união com Deus (70). «Ele é a nossa paz» (Ef 2, 14) e declara «bem-aventurados os obreiros da paz» (Mt 5, 9).
2306. Os que, renunciando à acção violenta e sangrenta, recorrem a meios de defesa ao alcance dos mais fracos para a salvaguarda dos direitos humanos, dão testemunho da caridade evangélica, desde que o façam sem lesar os direitos e obrigações dos outros homens e das sociedades. E atestam legitimamente a gravidade dos riscos físicos e morais do recurso à violência, com as suas ruínas e mortes (71).
EVITAR A GUERRA
2307. O quinto mandamento proíbe a destruição voluntária da vida humana. Por causa dos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, a Igreja exorta instantemente a todos para que orem e actuem para que a Bondade divina nos livre da antiga escravidão da guerra (72).
2308. Cada cidadão e cada governante deve trabalhar no sentido de evitar as guerras.
No entanto, enquanto «subsistir o perigo de guerra e não houver uma autoridade internacional competente, dotada dos convenientes meios, não se pode negar aos governos, uma vez esgotados todos os recursos de negociações pacíficas, o direito de legítima defesa» (73).
2309. Devem ser ponderadas com rigor as estritas condições duma legítima defesa pela força das armas. A gravidade duma tal decisão submete-a a condições rigorosas de legitimidade moral. É necessário, ao mesmo tempo:
– que o prejuízo causado pelo agressor à nação ou comunidade de nações seja duradouro, grave e certo;
– que todos os outros meios de lhe pôr fim se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes;
– que estejam reunidas condições sérias de êxito;
– que o emprego das armas não traga consigo males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poder dos meios modernos de destruição tem um peso gravíssimo na apreciação desta condição.
Estes são os elementos tradicionalmente apontados na doutrina da chamada «guerra justa».
A apreciação destas condições de legitimidade moral pertence ao juízo prudencial daqueles que têm o encargo do bem comum.
2310 Os poderes públicos têm, neste caso, o direito e o dever de impor aos cidadãos as obrigações necessárias à defesa nacional.
Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria na vida militar são servidores da segurança e da liberdade dos povos. Na medida em que desempenharem como convém esta tarefa, contribuem verdadeiramente para o bem comum e para a salvaguarda da paz (74).
2311. Os poderes públicos atenderão equitativamente o caso daqueles que, por motivos de consciência, recusam o uso de armas; estes continuam obrigados a servir, de outra forma, a comunidade humana (75).
2312. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. «Uma vez lamentavelmente começada a guerra, nem por isso tudo se torna lícito entre as partes beligerantes» (76).
2313. Devem ser respeitados e tratados com humanidade os não-combatentes, os soldados feridos e os prisioneiros.
As acções deliberadamente contrárias ao direito dos povos e aos seus princípios universais, bem como as ordens que comandam tais acções, são crimes. Uma obediência cega não basta para desculpar os que a elas se submetem. Assim, o extermínio dum povo, duma nação ou duma minoria étnica deve ser condenado como pecado mortal. É-se moralmente obrigado a resistir às ordens para praticar um genocídio.
2314. «Toda a acção bélica, que tende indiscriminadamente à destruição de cidades inteiras ou vastas regiões com os seus habitantes, é um crime contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza, sem hesitação» (77). Um dos perigos da guerra moderna é o de oferecer aos detentores das armas científicas, nomeadamente atómicas, biológicas ou químicas, ocasião para cometer tais crimes.
2315. A acumulação de armas é considerada por muitos como um processo paradoxal de dissuadir da guerra eventuais adversários. Vêem nisso o mais eficaz dos meios susceptíveis de garantir a paz entre as nações. No entanto, esse processo de dissuasão suscita severas reservas morais. A corrida aos armamentos não garante a paz. Longe de eliminaras causas da guerra, corre o risco de as agravar. O dispêndio de fabulosas riquezas na preparação de armas sempre novas impede que se auxiliem as populações indigentes (78), e trava o desenvolvimento dos povos. O superarmamento multiplica as razões de conflito e aumenta o risco da sua propagação.
2316. O fabrico e comércio de armas tem a ver com o bem comum das nações e da comunidade internacional. Daí que as autoridades públicas tenham o direito e o dever de os regulamentar. A busca de interesses privados ou colectivos a curto prazo não pode legitimar empresas que incentivam a violência e os conflitos entre as nações e que comprometem a ordem jurídica internacional.
2317. As injustiças, as excessivas desigualdades de ordem económica ou social, a inveja, a desconfiança e o orgulho que grassam entre os homens e as nações, são uma constante ameaça à paz e provocam as guerras. Tudo o que se fizer para superar estas desordens contribui para edificar a paz e evitar a guerra:
«Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra ameaça-os e continuará a ameaçá-los até à vinda de Cristo: mas, na medida em que, unidos na caridade, superam o pecado, superadas ficam também as violências, até que se realize aquela palavra: “Com as espadas forjarão arados e foices com as lanças. Não mais levantará a espada povo contra povo, nem jamais se exercitarão para a guerra” (Is 2, 4)» (79).
Resumindo:
2318. «Deus tem nas suas mãos a vida de todo o ser vivo e o sopro de vida de todos os homens» (Job 12, 10).
2319. Toda a vida humana, desde o momento da concepção até à morte, é sagrada, porque a pessoa humana foi querida por si mesma e criada à imagem e semelhança do Deus vivo e santo.
2320. O assassínio de um ser humano é gravemente contrário à dignidade da pessoa e à santidade do Criador.
2321. A proibição de matar não derroga o direito de retirar ao injusto agressor a possibilidade de fazer mal. A legítima defesa é um dever grave para quem é responsável pela vida de outrem ou pelo bem comum.
2322. Desde que foi concebida, a criança tem direito à vida. O aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, é uma «prática infame» (80), gravemente contrária à lei moral. A Igreja pune com a pena canónica da excomunhão este delito contra a vida humana.
2323. Uma vez que deve ser tratado como pessoa desde a sua concepção, o embrião deve ser defendido na sua integridade, atendido e cuidado medicamente como qualquer outro ser humano.
2324. A eutanásia voluntária, quaisquer que sejam as formas e os motivos, é um homicídio. É gravemente contrária à dignidade da pessoa humana e ao respeito pelo Deus vivo, seu Criador.
2325. O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento.
2326. O escândalo constitui uma falta grave quando, por acção ou omissão, leva deliberadamente outrem a pecar gravemente.
2327. Devido aos males e injustiças que toda a guerra traz consigo, devemos fazer tudo o que for humanamente possível para evitá-la. A Igreja ora: «Da fome, da peste e da guerra – livrai-nos, Senhor!».
2328. A Igreja e a razão humana declaram a validade permanente da lei moral durante os conflitos armados. As práticas deliberadamente contrárias ao direito das gentes e aos seus princípios universais são crimes.
2329. A corrida aos armamentos é um terrível flagelo para a humanidade e prejudica os pobres de uma forma intolerável (81).
2330. «Bem-aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
ARTIGO 6
O SEXTO MANDAMENTO
«Não cometerás adultério» (Ex 20, l4) (82).
«Ouvistes que foi dito: “Não cometerás adultério”. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5, 27-28).
I. «Homem e mulher os criou»…
2331. «Deus é amor e vive em Si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Ao criar a humanidade do homem e da mulher à sua imagem […] Deus inscreveu nela a vocação para o amor e para a comunhão e, portanto, a capacidade e a responsabilidade correspondentes» (83).
«Deus criou o homem à sua imagem; […] homem e mulher os criou» (Gn 1, 27); «Crescei e multiplicai-vos» (Gn 1, 28); «Quando Deus criou o ser humano, fê-lo à semelhança de Deus. Criou-os homem e mulher e abençoou-os; e chamou-lhes «Adão» no dia em que os criou»(Gn 5, 1-2).
2332. A sexualidade afecta todos os aspectos da pessoa humana, na unidade do seu corpo e da sua alma. Diz respeito particularmente à afectividade, à capacidade de amar e de procriar, e, de um modo mais geral, à aptidão para criar laços de comunhão com outrem.
2333. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual. A diferença e a complementaridade físicas, morais e espirituais orientam-se para os bens do matrimónio e para o progresso da vida familiar. A harmonia do casal e da sociedade depende, em parte, da maneira como são vividos, entre os sexos, a complementaridade, a necessidade mútua e o apoio recíproco.
2334. «Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal, de igual modo ao homem e à mulher» (84). «O homem é uma pessoa; e isso na mesma medida para o homem e para a mulher, porque ambos são criados à imagem e semelhança dum Deus pessoal» (85).
2335. Cada um dos dois sexos é, com igual dignidade, embora de modo diferente, imagem do poder e da ternura de Deus. A união do homem e da mulher no matrimónio é um modo de imitar na carne a generosidade e a fecundidade do Criador: «O homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne» (Gn 2, 24). Desta união procedem todas as gerações humanas (86).
2336. Jesus veio restaurar a criação na pureza das suas origens. No sermão da montanha, interpreta de modo rigoroso o desígnio de Deus:
«Ouvistes que foi dito: “Não cometerás adultério”. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5, 27-28). Não separe o homem o que Deus uniu (87).
A Tradição da Igreja entendeu o sexto mandamento como englobando o conjunto da sexualidade humana.
II. A vocação à castidade
2337. A castidade significa a integração conseguida da sexualidade na pessoa, e daí a unidade interior do homem no seu ser corporal e espiritual. A sexualidade, na qual se exprime a pertença do homem ao mundo corporal e biológico, torna-se pessoal e verdadeiramente humana quando integrada na relação de pessoa a pessoa, no dom mútuo total e temporalmente ilimitado, do homem e da mulher.
A virtude da castidade engloba, portanto, a integridade da pessoa e a integralidade da doação.
A INTEGRIDADE DA PESSOA
2338. A pessoa casta mantém a integridade das forças de vida e de amor em si depositadas. Esta integridade garante a unidade da pessoa e opõe-se a qualquer comportamento susceptível de a ofender. Não tolera nem a duplicidade da vida, nem a da linguagem (88).
2339. A castidade implica uma aprendizagem do domínio de si, que é uma pedagogia da liberdade humana. A alternativa é clara: ou o homem comanda as suas paixões e alcança a paz, ou se deixa dominar por elas e torna-se infeliz (89). «A dignidade do homem exige que ele proceda segundo uma opção consciente e livre, isto é, movido e determinado por uma convicção pessoal e não sob a pressão de um cego impulso interior ou da mera coacção externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se de toda a escravidão das paixões, prossegue o seu fim na livre escolha do bem e se procura de modo eficaz e com diligente iniciativa os meios adequados» (90).
2340. Aquele que quiser permanecer fiel às promessas do seu Baptismo e resistir às tentações, terá o cuidado de procurar os meios: o conhecimento de si, a prática duma ascese adaptada às situações em que se encontra, a obediência aos mandamentos divinos, a prática das virtudes morais e a fidelidade à oração. «A continência, na verdade, recolhe-nos e reconduz-nos àquela unidade que tínhamos perdido, dispersando-nos na multiplicidade» (91).
2341. A virtude da castidade gira na órbita da virtude cardial da temperança, a qual visa impregnar de razão as paixões e os apetites da sensibilidade humana.
2342. O domínio de si é uma obra de grande fôlego. Nunca poderá considerar-se total e definitivamente adquirido. Implica um esforço constantemente retomado, em todas as idades da vida (92); mas o esforço requerido pode ser mais intenso em certas épocas, como quando se forma a personalidade, durante a infância e a adolescência.
2343. A castidade conhece leis de crescimento e passa por fases marcadas pela imperfeição, muitas vezes até pelo pecado. O homem virtuoso e casto «constrói-se dia a dia com as suas numerosas decisões livres. Por isso, conhece, ama e cumpre o bem moral segundo fases de crescimento» (93).
2344. A castidade representa uma tarefa eminentemente pessoal; implica também um esforço cultural, porque existe «interdependência entre o desenvolvimento da pessoa e o da própria sociedade» (94). A castidade pressupõe o respeito pelos direitos da pessoa, particularmente o de receber uma informação e educação que respeitem as dimensões morais e espirituais da vida humana.
2345. A castidade é uma virtude moral. Mas é também um dom de Deus, uma graça, um fruto do trabalho espiritual (95). O Espírito Santo concede a graça de imitar a pureza de Cristo (96) àquele que regenerou pela água do Baptismo.
A INTEGRALIDADE DO DOM DE SI
2346. A caridade é a forma de todas as virtudes. Sob a sua influência, a castidade aparece como uma escola de doação da pessoa. O domínio de si ordena-se para o dom de si. A castidade leva quem a pratica a tornar-se, junto do próximo, testemunha da fidelidade e da ternura de Deus.
2347. A virtude da castidade expande-se na amizade. Indica ao discípulo o modo de seguir e imitar Aquele que nos escolheu como seus próprios amigos (97), que Se deu totalmente a nós e nos faz participar da sua condição divina. A castidade é promessa de imortalidade.
A castidade exprime-se especialmente na amizade para com o próximo. Desenvolvida entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, a amizade representa um grande bem para todos. Conduz à comunhão espiritual.
OS DIVERSOS REGIMES DA CASTIDADE
2348. Todo o baptizado é chamado à castidade. O cristão «revestiu-se de Cristo» (98), modelo de toda a castidade. Todos os fiéis de Cristo são chamados a levar uma vida casta, segundo o seu estado de vida particular. No momento do seu Baptismo, o cristão comprometeu-se a orientar a sua afectividade na castidade.
2349. «A castidade deve qualificar as pessoas segundo os seus diferentes estados de vida: uns, na virgindade ou celibato consagrado, forma eminente de se entregarem mais facilmente a Deus com um coração indiviso: outros, do modo que a lei moral para todos determina, e conforme são casados ou solteiros» (99). As pessoas casadas são chamadas a viver a castidade conjugal; as outras praticam a castidade na continência:
«Existem três formas da virtude da castidade: uma, das esposas: outra, das viúvas; a terceira, da virgindade. Não louvamos uma com exclusão das outras. […] É nisso que a disciplina da Igreja é rica» (100).
2350. Os noivos são chamados a viver a castidade na continência. Eles farão, neste tempo de prova, a descoberta do respeito mútuo, a aprendizagem da fidelidade e da esperança de se receberem um ao outro de Deus. Reservarão para o tempo do matrimónio as manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na castidade.
AS OFENSAS À CASTIDADE
2351. A luxúria é um desejo desordenado ou um gozo desregrado de prazer venéreo. O prazer sexual é moralmente desordenado quando procurado por si mesmo, isolado das finalidades da procriação e da união.
2352. Por masturbação entende-se a excitação voluntária dos órgão genitais, para daí retirar um prazer venéreo. «Na linha duma tradição constante, tanto o Magistério da Igreja como o sentido moral dos fiéis têm afirmado sem hesitação que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado». «Seja qual for o motivo, o uso deliberado da faculdade sexual fora das normais relações conjugais contradiz a finalidade da mesma». O prazer sexual é ali procurado fora da «relação sexual requerida pela ordem moral, que é aquela que realiza, no contexto dum amor verdadeiro, o sentido integral da doação mútua e da procriação humana» (101).
Para formar um juízo justo sobre a responsabilidade moral dos sujeitos, e para orientar a acção pastoral, deverá ter-se em conta a imaturidade afectiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros factores psíquicos ou sociais que podem atenuar, ou até reduzir ao mínimo, a culpabilidade moral.
2353. A fornicação é a união carnal fora do matrimónio entre um homem e uma mulher livres. É gravemente contrária à dignidade das pessoas e da sexualidade humana, naturalmente ordenada para o bem dos esposos, assim como para a geração e educação dos filhos. Além disso, é um escândalo grave, quando há corrupção dos jovens.
2354. A pornografia consiste em retirar os actos sexuais, reais ou simulados, da intimidade dos parceiros, para os exibir a terceiras pessoas, de modo deliberado. Ofende a castidade, porque desnatura o acto conjugal, doação íntima dos esposos um ao outro. É um grave atentado contra a dignidade das pessoas intervenientes (actores, comerciantes, público), uma vez que cada um se torna para o outro objecto dum prazer vulgar e dum lucro ilícito. E faz mergulhar uns e outros na ilusão dum mundo fictício. É pecado grave. As autoridades civis devem impedir a produção e a distribuição de material pornográfico.
2355. A prostituição é um atentado contra a dignidade da pessoa que se prostitui, reduzida ao prazer venéreo que dela se tira. Quem paga, peca gravemente contra si mesmo: quebra a castidade a que o obriga o seu Baptismo e mancha o seu corpo, que é templo do Espírito Santo (102). A prostituição constitui um flagelo social. Envolve habitualmente mulheres, mas também homens, crianças ou adolescentes (nestes dois últimos casos, o pecado duplica com o escândalo). É sempre gravemente pecaminoso entregar-se à prostituição; mas a miséria, a chantagem e a pressão social podem atenuar a imputabilidade do pecado.
2356. A violação designa a entrada na intimidade sexual duma pessoa à força, com violência. É um atentado contra a justiça e a caridade. A violação ofende profundamente o direito de cada um ao respeito, à liberdade e à integridade física e moral. Causa um prejuízo grave, que pode marcar a vítima para toda a vida. É sempre um acto intrinsecamente mau. É mais grave ainda, se cometido por parentes próximos (incesto) ou por educadores contra crianças a eles confiadas.
CASTIDADE E HOMOSSEXUALIDADE
2357 A homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam uma atracção sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua génese psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves (103) a Tradição sempre declarou que «os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados» (104). São contrários à lei natural, fecham o acto sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afectiva sexual, não podem, em caso algum, ser aprovados.
2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objectivamente desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.
2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.
III. O amor dos esposos
2360. A sexualidade ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher. No matrimónio, a intimidade corporal dos esposos torna-se sinal e penhor de comunhão espiritual. Entre os baptizados, os laços do matrimónio são santificados pelo sacramento.
2361. «A sexualidade, mediante a qual o homem e a mulher se dão um ao outro com os actos próprios e exclusivos dos esposos, não é algo de puramente biológico, mas diz respeito à pessoa humana como tal, no que ela tem de mais íntimo. Esta só se realiza de maneira verdadeiramente humana se for parte integrante do amor com o qual homem e mulher se comprometem totalmente um para com o outro até à morte» (105).
«Tobias ergueu-se do leito e disse […] [a Sara]: “Irmã, levanta-te; vamos orar ao Senhor e pedir-lhe que nos conceda a sua misericórdia e salvação”. Levantaram-se ambos e puseram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação, dizendo: “Bendito sejas, Deus dos nossos pais […]. Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu o género humano. Com efeito, disseste: ‘Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele’. Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é por luxúria que agora tomo por esposa esta minha irmã, mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu e ela encontremos misericórdia e cheguemos juntos à velhice» (Tb 8, 4-9).
2362. «Os actos pelos quais os esposos se unem íntima e castamente são honestos e dignos; realizados de modo autenticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro com alegria e gratidão» (106). A sexualidade é fonte de alegria e de prazer:
«Foi o próprio Criador Quem […] estabeleceu que, nesta função [da geração], os esposos experimentassem prazer e satisfação do corpo e do espírito. Portanto, os esposos não fazem nada de mal ao procurar este prazer e gozar dele. Aceitam o que o Criador lhes destinou. No entanto, devem saber manter-se dentro dos limites duma justa moderação» (107).
2363. Pela união dos esposos realiza-se o duplo fim do matrimónio: o bem dos próprios esposos e a transmissão da vida. Não podem separar-se estes dois significados ou valores do matrimónio sem alterar a vida espiritual do casal nem comprometer os bens do matrimónio e o futuro da família.
O amor conjugal do homem e da mulher está, assim, colocado sob a dupla exigência da fidelidade e da fecundidade.
A FIDELIDADE CONJUGAL
2364. Ambos os esposos constituem «uma íntima comunidade de vida e de amor, fundada pelo Criador e por Ele dotada de leis próprias». Esta comunidade «é instaurada pela aliança conjugal, ou seja, por um irrevogável consentimento pessoal» (108). Os dois entregam-se, definitiva e totalmente, um ao outro. Doravante, já não são dois, mas uma só carne. A aliança livremente contraída pelos esposos impõe-lhes a obrigação de a manter una e indissolúvel (109). «O que Deus uniu, não o separe o homem»(Mc 10, 9) (110).
2365. A fidelidade exprime a constância em manter a palavra dada. Deus é fiel. O sacramento do matrimónio introduz o homem e a mulher na fidelidade de Cristo à sua Igreja. Pela castidade conjugal, eles dão testemunho deste mistério perante o mundo.
São João Crisóstomo sugere aos jovens casados que façam este discurso às suas esposas: «Tomei-te nos meus braços, amo-te e prefiro-te à minha própria vida. Porque a vida presente não é nada e o meu sonho mais ardente é passá-la contigo, de tal maneira que tenhamos a certeza de não ser separados naquela que nos está reservada […]. Eu ponho o teu amor acima de tudo, e nada me seria mais penoso do que não ter os mesmos pensamentos que tu» (111).
A FECUNDIDADE DO MATRIMÓNIO
2366. A fecundidade é um dom, uma finalidade do matrimónio, porque o amor conjugal tende naturalmente a ser fecundo. O filho não vem de fora juntar-se ao amor mútuo dos esposos; surge no próprio coração deste dom mútuo, do qual é fruto e complemento. Por isso, a Igreja, que «toma partido pela vida» (112), ensina que «todo o acto matrimonial deve, por si estar aberto à transmissão da vida» (113). «Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, funda-se sobre o nexo indissolúvel estabelecido por Deus e que o homem não pode quebrar por sua iniciativa, entre os dois significados inerentes ao acto conjugal: união e procriação» (114).
2367. Chamados a dar a vida, os esposos participam do poder criador e da paternidade de Deus (115). «No dever de transmitir e educar a vida humana – dever que deve ser considerado como a sua missão própria – saibam os esposos que são cooperadores do amor de Deus e como que os seus intérpretes. Cumprirão, pois, esta missão, com responsabilidade humana e cristã» (116).
2368. Um aspecto particular desta responsabilidade diz respeito à regulação da procriação. Os esposos podem querer espaçar o nascimento dos seus filhos por razões justificadas (117). Devem, porém, verificar se tal desejo não procede do egoísmo, e se está de acordo com a justa generosidade duma paternidade responsável. Além disso, regularão o seu comportamento segundo os critérios objectivos da moralidade:
«Quando se trata de conciliar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana. Tudo isto só é possível, se se cultivar sinceramente a virtude da castidade conjugal» (118).
2369. «É salvaguardando estes dois aspectos essenciais, união e procriação, que o acto conjugal conserva integralmente o sentido de mútuo e verdadeiro amor e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade» (119).
2370. A continência periódica, os métodos de regulação dos nascimentos baseados na auto-observação e no recurso aos períodos infecundos (120), são conformes aos critérios objectivos da moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura entre eles e favorecem a educação duma liberdade autêntica. Em contrapartida, é intrinsecamente má «qualquer acção que, quer em previsão do acto conjugal, quer durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação» (121).
«À linguagem que exprime naturalmente a doação recíproca e total dos esposos, a contracepção opõe uma linguagem objectivamente contraditória, segundo a qual já não se trata de se darem totalmente um ao outro. Daí deriva, não somente a recusa positiva da abertura à vida, mas também uma falsificação da verdade interna do amor conjugal, chamado a ser um dom da pessoa toda. […] Esta diferença antropológica e moral, entre a contracepção e o recurso aos ritmos periódicos, implica dois conceitos de pessoa e de sexualidade humana irredutíveis um ao outro» (122).
2371. «Aliás, todos devem ter bem presente que a vida humana e a missão de a transmitir não se limitam aos horizontes deste mundo, nem podem ser medidas ou compreendidas unicamente em função dele, mas estão sempre relacionadas com o destino eterno do homem» (123).
2372. O Estado é responsável pelo bem-estar dos cidadãos. A tal título, é legítimo que intervenha para orientar o crescimento da população. Pode fazê-lo mediante uma informação objectiva e respeitosa, não porém com imposições autoritárias e obrigatórias. O Estado não pode legitimamente substituir-se à iniciativa dos esposos, primeiros responsáveis pela procriação e educação dos seus filhos (124). Neste domínio, não tem autoridade para intervir com medidas contrárias à lei moral.
O DOM DO FILHO
2373. A Sagrada Escritura e a prática tradicional da Igreja vêem nas famílias numerosas um sinal da bênção divina e da generosidade dos pais (125).
2374. É grande o sofrimento dos casais que descobrem que são estéreis. «Que me dareis, Senhor Deus?» – pergunta Abraão a Deus. «Vou-me sem filhos…» (Gn 15, 2). – «Dá-me filhos ou então morro!» – grita Raquel ao seu marido Jacob (Gn 30, 1).
2375. As pesquisas que se destinam a reduzir a esterilidade humana devem ser encorajadas, com a condição de serem colocadas «ao serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, em conformidade com o projecto e a vontade de Deus» (126).
2376. As técnicas que provocam a dissociação dos progenitores pela intervenção duma pessoa estranha ao casal (dádiva de esperma ou ovócito, empréstimo de útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação e fecundação artificial heteróloga) lesam o direito do filho a nascer dum pai e duma mãe seus conhecidos e unidos entre si pelo casamento. E atraiçoam «o direito exclusivo a não serem nem pai nem mãe senão um pelo outro» (127).
2377. Praticadas no seio do casal, estas técnicas (inseminação e fecundação artificial homóloga) são talvez menos prejudiciais, mas continuam moralmente inaceitáveis. Dissociam o acto sexual do acto procriador. O acto fundador da existência do filho deixa de ser um acto pelo qual duas pessoas se dão uma à outra, e «remete a vida e a identidade do embrião para o poder dos médicos e biólogos. Instaurando o domínio da técnica sobre a origem e destino da pessoa humana. Tal relação de domínio é, de si, contrária à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos» (128). «A procriação é moralmente privada da sua perfeição própria, quando não é querida como fruto do acto conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos. […] Só o respeito pelo laço que existe entre os significados do acto conjugal e o respeito pela unidade do ser humano permite uma procriação conforme à dignidade da pessoa» (129).
2378. O filho não é uma dívida, é uma dádiva. O «dom mais excelente do matrimónio» é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado como objecto de propriedade, conclusão a que levaria o reconhecimento dum pretenso «direito ao filho». Neste domínio, só o filho é que possui verdadeiros direitos: o de «ser fruto do acto específico do amor conjugal dos seus pais, e também o de ser respeitado como pessoa desde o momento da sua concepção» (130).
2379. O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de esgotados os recursos médicos legítimos, sofrem de infertilidade, associar-se-ão à cruz do Senhor, fonte de toda a fecundidade espiritual. Podem mostrar a sua generosidade adoptando crianças abandonadas ou realizando serviços significativos em favor do próximo.
IV. As ofensas à dignidade do matrimónio
2380. O adultério. É o termo que designa a infidelidade conjugal. Quando dois parceiros, dos quais pelo menos um é casado, estabelecem entre si uma relação sexual, mesmo efémera, cometem adultério. Cristo condena o adultério, mesmo de simples desejo (131). O sexto mandamento e o Novo Testamento proíbem absolutamente o adultério (132). Os profetas denunciam-lhe a gravidade. E vêem no adultério a figura do pecado da idolatria (133).
2381. O adultério é uma injustiça. Aquele que o comete, falta aos seus compromissos. Viola o sinal da Aliança, que é o vínculo matrimonial, lesa o direito do outro cônjuge e atenta contra a instituição do matrimónio, violando o contrato em que assenta. Compromete o bem da geração humana e dos filhos que têm necessidade da união estável dos pais.
O DIVÓRCIO
2382. O Senhor Jesus insistiu na intenção original do Criador, que queria um matrimónio indissolúvel (134). E abrogou as tolerâncias que se tinham infiltrado na antiga Lei (135).
Entre baptizados, «o matrimónio rato e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano, nem por nenhuma causa, além da morte» (136).
2383. A separação dos esposos, permanecendo o vínculo matrimonial, pode ser legítima em certos casos previstos pelo direito canónico (137).
Se o divórcio civil for a única maneira possível de garantir certos direitos legítimos, tais como o cuidado dos filhos ou a defesa do património, pode ser tolerado sem constituir falta moral.
2384. O divórcio é uma ofensa grave à lei natural. Pretende romper o contrato livremente aceite pelos esposos de viverem um com o outro até à morte. O divórcio é uma injúria contra a aliança da salvação, de que o matrimónio sacramental é sinal. O facto de se contrair nova união, embora reconhecida pela lei civil, aumenta a gravidade da ruptura: o cônjuge casado outra vez encontra-se numa situação de adultério público e permanente:
«Não é lícito ao homem, despedida a esposa, casar com outra; nem é legítimo que outro tome como esposa a que foi repudiada pelo marido»(138).
2385. O carácter imoral do divórcio advém-lhe também da desordem que introduz na célula familiar e na sociedade. Esta desordem traz consigo prejuízos graves: para o cônjuge que fica abandonado; para os filhos, traumatizados pela separação dos pais e, muitas vezes, objecto de contenda entre eles; e pelo seu efeito de contágio, que faz dele uma verdadeira praga social.
2386. Pode acontecer que um dos cônjuges seja a vítima inocente do divórcio declarado pela lei civil; esse, então, não viola o preceito moral. Há uma grande diferença entre o cônjuge que sinceramente se esforçou por ser fiel ao sacramento do matrimónio e se vê injustamente abandonado, e aquele que, por uma falta grave da sua parte, destrói um matrimónio canonicamente válido (139).
OUTRAS OFENSAS À DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO
2387. É compreensível o drama daquele que, desejoso de se converter ao Evangelho, se vê obrigado a repudiar uma ou mais mulheres com quem partilhou anos de vida conjugal. Contudo, a poligamia não está de acordo com a lei moral. «Opõe-se radicalmente à comunhão conjugal: porque nega, de modo directo, o desígnio de Deus, tal como nos foi revelado no princípio e é contrária à igual dignidade pessoal da mulher e do homem, os quais, no matrimónio, se dão um ao outro num amor total que, por isso mesmo, é único e exclusivo»(140). O cristão que anteriormente foi polígamo é gravemente obrigado, por justiça, a honrar as obrigações contraídas para com as suas antigas mulheres e respectivos filhos.
2388. O incesto designa relações íntimas entre parentes ou afins, num grau que proíbe o matrimónio entre eles (141). São Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: «É voz corrente que existe entre vós um caso de imoralidade […] ao ponto de certo homem viver com a mulher de seu pai! […] Em nome do Senhor Jesus […], que esse homem seja entregue a Satanás […] para ruína do seu corpo» (1 Cor 5, 1. 4-5). O incesto corrompe as relações familiares e representa uma regressão à animalidade.
2389. Podem relacionar-se com o incesto os abusos sexuais cometidos por adultos em relação a crianças ou adolescentes confiados à sua guarda. Nesse caso a culpa é dupla por se tratar dum escandaloso atentado contra a integridade física e moral dos jovens, que assim ficarão marcados para toda a sua vida e duma violação da responsabilidade educativa.
2390. Há união livre quando homem e mulher recusam dar forma jurídica e pública a uma ligação que implica intimidade sexual.
A expressão é falaciosa: que pode significar uma união em que as pessoas não se comprometem uma para com a outra, testemunhando assim uma falta de confiança na outra, em si mesmas, ou no futuro?
A expressão tenta camuflar situações diferentes: concubinato, recusado matrimónio como tal, incapacidade de se ligar por compromissos a longo prazo (142). Todas estas situações ofendem a dignidade do matrimónio; destroem a própria ideia de família; enfraquecem o sentido da fidelidade. São contrárias à lei moral: o acto sexual deve ter lugar exclusivamente no matrimónio; fora dele constitui sempre um pecado grave e exclui da comunhão sacramental.
2391. Hoje em dia, há muitos que reclamam uma espécie de «direito à experiência», quando há intenção de contrair matrimónio. Seja qual for a firmeza do propósito daqueles que enveredam por relações sexuais prematuras, «estas não permitem assegurar que a sinceridade e a fidelidade da relação interpessoal dum homem e duma mulher fiquem a salvo nem, sobretudo, que esta relação fique protegida de volubilidade dos desejos e dos caprichos»(143). A união carnal só é legítima quando se tiver instaurado uma definitiva comunidade de vida entre o homem e a mulher. O amor humano não tolera o «ensaio». Exige o dom total e definitivo das pessoas entre si (144).
Resumindo:
2392. «O amor é a vocação fundamental e inata de todo o ser humano» (145).
2393. Ao criar o ser humano homem e mulher, Deus conferiu a dignidade pessoal, de igual modo, a um e a outra. Compete a cada um, homem e mulher, reconhecer e aceitar a sua identidade sexual.
2394. Cristo é o modelo da castidade. Todo o baptizado é chamado a levar uma vida casta, cada um segundo o seu próprio estado de vida.
2395. A castidade significa a integração da sexualidade na pessoa. Implica a aprendizagem do autodomínio.
2396. Entre os pecados gravemente contrários à castidade, devem citar-se: a masturbação, a fornicação, a pornografia e as práticas homossexuais.
2397. A aliança livremente contraída pelos esposos implica um amor fiel. Ele impõe-lhes a obrigação de guardar indissolúvel o seu matrimónio.
2398. A fecundidade é um bem, um dom, uma finalidade do matrimónio. Dando a vida, os esposos participam da paternidade de Deus.
2399. A regulação dos nascimentos representa um dos aspectos da paternidade e da maternidade responsáveis. A legitimidade das intenções dos esposos não justifica o recurso a meios moralmente inadmissíveis (por exemplo, a esterilização directa ou a contracepção).
2400. O adultério e o divórcio, a poligamia e a união livre são ofensas graves à dignidade do matrimónio.
ARTIGO 7
O SÉTIMO MANDAMENTO
«Não furtarás» (Ex 20, 15) (146).
«Não roubarás» (Mt 19, 18).
2401. O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente o bem do próximo e prejudicá-lo nos seus bens, seja como for. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrenos e do fruto do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito pelo destino universal dos bens e pelo direito à propriedade privada. A vida cristã esforça-se por ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.
I. O destino universal e a propriedade privada dos bens
2402. No princípio, Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade, para que dela cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos seus frutos(147).Os bens da criação são destinados a todo o género humano. No entanto, a terra foi repartida entre os homens para garantir a segurança da sua vida, exposta à penúria e ameaçada pela violência. A apropriação dos bens é legítima, para garantir a liberdade e a dignidade das pessoas, e para ajudar cada qual a ocorrer às suas necessidades fundamentais e às necessidades daqueles que tem a seu cargo. Tal apropriação deve permitir que se manifeste a solidariedade natural entre os homens.
2403. O direito à propriedade privada, adquirida ou recebida de maneira justa, não anula a doação original da terra à humanidade no seu conjunto. O destino universal dos bens continua a ser primordial, embora a promoção do bem comum exija o respeito pela propriedade privada, do direito a ela e do respectivo exercício.
2404. «Quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar, não só a si, mas também aos outros»(148). A propriedade dum bem faz do seu detentor um administrador da providência de Deus, com a obrigação de o fazer frutificar e de comunicar os seus benefícios aos outros, a começar pelos seus próximos.
2405. Os bens de produção – materiais ou imateriais – como terras ou fábricas, competências ou artes, requerem os cuidados dos seus possuidores, para que a sua fecundidade aproveite ao maior número. Os detentores dos bens de uso e de consumo devem utilizá-los com moderação, reservando a melhor parte para o hóspede, o doente, o pobre.
2406. A autoridade política tem o direito e o dever de regular, em função do bem comum, o exercício legítimo do direito de propriedade (149)
II. O respeito pelas pessoas e seus bens
2407. Em matéria económica, o respeito pela dignidade humana exige a prática da virtude da temperança, para moderar o apego aos bens deste mundo; da virtude da justiça, para acautelar os direitos do próximo e dar-lhe o que lhe é devido; e da solidariedade, segundo a regra de ouro e conforme a liberalidade do Senhor, que «sendo rico Se fez pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza» (150)
O RESPEITO PELOS BENS ALHEIOS
2408. O sétimo mandamento proíbe o roubo, isto é, a usurpação do bem alheio, contra a vontade razoável do seu proprietário. Não há roubo quando o consentimento se pode presumir ou a recusa é contrária à razão e ao destino universal dos bens. É o caso da necessidade urgente e evidente, em que o único meio de remediar necessidades imediatas e essenciais (alimento, abrigo, vestuário…) é dispor e usar dos bens alheios (151).
2409. Todo o processo de se apoderar e de reter injustamente o bem alheio, mesmo que não esteja em desacordo com as disposições da lei civil, é contrário ao sétimo mandamento. Assim, reter deliberadamente bens emprestados ou objectos perdidos; cometer fraude no comércio (152); pagar salários injustos (153); subir os preços especulando com a ignorância ou a necessidade dos outros (154).
São também processos moralmente ilícitos: a especulação pela qual se manobra no sentido de fazer variar artificialmente a avaliação dos bens, com vista a daí tirar vantagem em detrimento de outrem; a corrupção, pela qual se desvia o juízo daqueles que devem tomar decisões segundo o direito; a apropriação e o uso privado de bens sociais duma empresa; os trabalhos mal executados, a fraude fiscal, a falsificação de cheques e facturas, as despesas excessivas, o desperdício. Causar voluntariamente um prejuízo em propriedades privadas ou públicas é contra a lei moral e exige reparação.
2410. As promessas devem ser cumpridas e os contratos rigorosamente observados, desde que o compromisso assumido seja moralmente justo. Grande parte da vida económica e social depende da validade dos contratos entre pessoas físicas ou morais. Por exemplo, os contratos comerciais de compra e venda, os contratos de arrendamento ou de trabalho. Todo o contrato deve ser convencionado e executado de boa fé.
2411. Os contratos estão sujeitos à justiça comutativa, que regula as permutas entre as pessoas e entre as instituições no exacto respeito pelos seus direitos. A justiça comutativa obriga estritamente; exige a salvaguarda dos direitos de propriedade, o pagamento das dívidas e a prestação das obrigações livremente contraídas. Sem a justiça comutativa, nenhuma outra forma de justiça é possível.
A justiça comutativa distingue-se da justiça legal, a qual diz respeito ao que o cidadão equitativamente deve à comunidade, e da justiça distributiva, que regula o que a comunidade deve aos cidadãos, proporcionalmente às suas contribuições e às suas necessidades.
2412. Em virtude da justiça comutativa, a reparação da injustiça cometida exige a restituição do bem roubado ao seu proprietário:
Jesus louvou Zaqueu pelo seu compromisso: «Se causei qualquer prejuízo a alguém, restitui-lhe-ei quatro vezes mais» (Lc 19, 8). Aqueles que, de maneira directa ou indirecta, se apoderaram de um bem alheio, estão obrigados a restituí-lo, ou a dar o equivalente em natureza ou espécie, se a coisa desapareceu, assim como os frutos e vantagens que o seu dono teria legitimamente auferido. Estão igualmente obrigados a restituir, na proporção da sua responsabilidade e do seu proveito, todos aqueles que de qualquer modo participaram no roubo ou dele se aproveitaram com conhecimento de causa; por exemplo, aqueles que o ordenaram, o ajudaram ou o ocultaram.
2413. Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça. Mas tornam-se moralmente inaceitáveis, quando privam a pessoa do que lhe é necessário para as suas necessidades e as de outrem. A paixão do jogo pode tornar-se uma grave servidão. Apostar injustamente ou fazer batota nos jogos constitui matéria grave, a menos que o prejuízo causado seja tão leve que quem o sofre não possa razoavelmente considerá-lo significativo.
2414. O sétimo mandamento proíbe os actos ou empreendimentos que, seja por que motivo for – egoísta ou ideológico, mercantil ou totalitário – conduzam a escravizar seres humanos, a desconhecer a sua dignidade pessoal, a comprá-los, vendê-los e trocá-los como mercadoria. É um pecado contra a dignidade das pessoas e seus direitos fundamentais reduzi-las, pela violência, a um valor utilitário ou a uma fonte de lucro. São Paulo ordenava a um amo cristão que tratasse o seu escravo, também cristão, «não já como escravo mas como irmão […], tanto humanamente como no Senhor» (Flm 16).
O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
2415. O sétimo mandamento exige o respeito pela integridade da criação. Os animais, tal como as plantas e os seres inanimados, são naturalmente destinados ao bem comum da humanidade, passada, presente e futura(155) O uso dos recursos minerais, vegetais e animais do universo não pode ser desvinculado do respeito pelas exigências morais. O domínio concedido pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e os outros seres vivos, não é absoluto, mas regulado pela preocupação da qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um respeito religioso pela integridade da criação (156).
2416. Os animais são criaturas de Deus. Deus envolve-os na sua solicitude providencial (157). Pelo simples facto de existirem, eles O bendizem e Lhe dão glória (158). Por isso, os homens devem estimá-los. É de lembrar com que delicadeza os santos, como São Francisco de Assis ou São Filipe de Néri, tratavam os animais.
2417. Deus confiou os animais ao governo daquele que foi criado à Sua imagem (159). É, portanto, legítimo servimo-nos dos animais para a alimentação e para a confecção do vestuário. Podemos domesticá-los para que sirvam o homem nos seus trabalhos e lazeres. As experiências médicas e científicas em animais são práticas moralmente admissíveis desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas.
2418. É contrário à dignidade humana fazer sofrer inutilmente os animais e dispor indiscriminadamente das suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles somas que deveriam, prioritariamente, aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, mas não deveria desviar-se para eles o afecto só devido às pessoas.
III. A doutrina social da Igreja
2419. «A Revelação cristã conduz […] a uma inteligência mais penetrante das leis da vida social» (160). A Igreja recebe do Evangelho a revelação plena da verdade acerca do homem. Quando cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho, a Igreja atesta ao homem, em nome de Cristo, a sua dignidade própria e a sua vocação para a comunhão das pessoas, e ensina-lhe as exigências da justiça e da paz, conformes à sabedoria divina.
2420. A Igreja emite um juízo moral em matéria económica e social, «quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem» (161). Na ordem da moralidade, ela exerce uma missão diferente da que concerne às autoridades políticas: a Igreja preocupa-se com os aspectos temporais do bem comum em razão da sua ordenação ao Bem soberano, nosso fim último. E esforça-se por inspirar as atitudes justas, no que respeita aos bens terrenos e às relações sócio-económicas.
2421. A doutrina social da Igreja desenvolveu-se no século XIX aquando do confronto do Evangelho com a sociedade industrial moderna, as suas novas estruturas para a produção de bens de consumo, o seu novo conceito de sociedade, de Estado e de autoridade, as suas novas formas de trabalho e de propriedade. O desenvolvimento da doutrina da Igreja em matéria económica e social comprova o valor permanente da doutrina da mesma Igreja, ao mesmo tempo que o verdadeiro sentido da sua Tradição, sempre viva e activa (162).
2422. O ensino social da Igreja inclui um corpo de doutrina que se vai articulando à medida que a mesma Igreja interpreta os acontecimentos no decurso da história à luz do conjunto da Palavra revelada por Cristo Jesus, com a assistência do Espírito Santo (163). Este ensino torna-se tanto mais aceitável para os homens de boa vontade, quanto mais inspira o procedimento dos fiéis.
2423. A doutrina social da Igreja propõe princípios de reflexão, salienta critérios de julgamento e fornece orientações para a acção:
Todo o sistema, segundo o qual as relações sociais forem inteiramente determinadas pelos factores económicos, é contrário à natureza da pessoa humana e dos seus actos (164).
2424. Uma teoria que faça do lucro a regra exclusiva e o fim último da actividade económica, é moralmente inaceitável. O apetite desordenado do dinheiro não deixa de produzir os seus efeitos perversos e é uma das causas dos numerosos conflitos que perturbam a ordem social (165).
Um sistema que «sacrifique os direitos fundamentais das pessoas e dos grupos à organização colectiva da produção», é contrário à dignidade humana (166). Toda a prática que reduza as pessoas a não serem mais que simples meios com vista ao lucro, escraviza o homem, conduz à idolatria do dinheiro e contribui para propagar o ateísmo. «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24; Lc 16, 13).
2425. A Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e ateias, associadas, nos tempos modernos, ao «comunismo» ou ao «socialismo». Por outro lado, recusou, na prática do «capitalismo», o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o trabalho humano (167). Regular a economia só pela planificação centralizada perverte a base dos laços sociais: regulá-la só pela lei do mercado é faltar à justiça social, «porque há numerosas necessidades humanas que não podem ser satisfeitas pelo mercado» (168). É necessário preconizar uma regulação racional do mercado e das iniciativas económicas, segundo uma justa hierarquia dos valores e tendo em vista o bem comum.
IV. A actividade económica e a justiça social
2426. O desenvolvimento das actividades económicas e o crescimento da produção destinam-se a ocorrer às necessidades dos seres humanos. A vida económica não visa somente multiplicar os bens produzidos e aumentar o lucro ou o poder; ordena-se, antes de mais, para o serviço das pessoas, do homem integral e de toda a comunidade humana. Conduzida segundo métodos próprios, a actividade económica deve exercer-se dentro dos limites da ordem moral e segundo as normas da justiça social, a fim de corresponder ao desígnio de Deus sobre o homem (169).
2427. O trabalho humano procede imediatamente das pessoas criadas à imagem de Deus e chamadas a prolongar, umas com as outras, a obra da criação, dominando a terra (170). Portanto, o trabalho é um dever: «Se algum de vós não quer trabalhar, também não coma» (2 Ts 3, 10) (171). O trabalho honra os dons do Criador e os talentos recebidos. Também pode ser redentor: suportando o que o trabalho tem de penoso (172) em união com Jesus, o artesão de Nazaré e crucificado do Calvário, o homem colabora, de certo modo, com o Filho de Deus na sua obra redentora. Mostra-se discípulo de Cristo, levando a cruz de cada dia na actividade que foi chamado a exercer (173). O trabalho pode ser um meio de santificação e uma animação das realidades terrenas no Espírito de Cristo.
2428. No trabalho, a pessoa exerce e cumpre uma parte das capacidades inscritas na sua natureza. O valor primordial do trabalho pertence ao próprio homem, seu autor e destinatário. O trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho (174).
Cada um deve poder tirar do trabalho os meios de subsistência, para si e para os seus, e a possibilidade de servir a comunidade humana.
2429. Cada um tem o direito de iniciativa económica e usará legitimamente os seus talentos, a fim de contribuir para uma abundância proveitosa a todos e recolher os justos frutos dos seus esforços. Mas terá o cuidado de se conformar com as regulamentações impostas pelas legítimas autoridades em vista do bem comum (175).
2430. A vida económica põe em causa interesses diversos , muitas vezes opostos entre si. Assim se explica a emergência dos conflitos que a caracterizam (176). Todos devem esforçar-se por reduzir estes últimos através de uma negociação que respeite os direitos e deveres de todos os parceiros sociais: os responsáveis das empresas, os representantes dos assalariados (por exemplo, organizações sindicais) e, eventualmente, os poderes públicos.
2431. A responsabilidade do Estado. «A actividade económica, particularmente a da economia de mercado, não pode desenrolar-se num vazio institucional, jurídico e político. Pressupõe asseguradas as garantias das liberdades individuais e da propriedade, sem falar duma moeda estável e de serviços públicos eficientes. Mas o dever essencial do Estado é assegurar estas garantias, de modo que, quem trabalha, possa usufruir do fruto do seu trabalho e, portanto, se sinta estimulado a realizá-lo com eficiência e honestidade […]. O Estado tem o dever de zelar e orientar a aplicação dos direitos humanos no sector económico. Todavia, neste domínio, a primeira responsabilidade não cabe ao Estado, mas sim às instituições e diferentes grupos e associações que compõem a sociedade» (177).
2432. Os responsáveis de empresas têm, perante a sociedade, a responsabilidade económica e ecológica das suas operações (178). Estão obrigados a ter em consideração o bem das pessoas, e não somente o aumento dos lucros. Estes são necessários, pois permitem realizar investimentos que assegurem o futuro das empresas e garantam o emprego.
2433. O acesso ao trabalho e ao exercício da profissão deve ser aberto a todos sem descriminação injusta: homens e mulheres, sãos e deficientes, naturais e imigrados (179). Por sua vez, a sociedade deve, nas diversas circunstâncias, ajudar os cidadãos a conseguir um trabalho e um emprego (180).
2434. O salário justo é o fruto legítimo do trabalho. Recusá-lo ou retê-lo, pode constituir grave injustiça (181). Para calcular a remuneração equitativa, há que ter em conta, ao mesmo tempo, as necessidades de cada um e o contributo que presta. «Tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a assegurar ao homem e aos seus os recursos necessários para uma vida digna no plano material, social, cultural e espiritual» (182). O acordo das partes não basta para justificar moralmente o montante do salário.
2435. A greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou ainda quando por feita com objectivos não directamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.
2436. É injusto não pagar aos organismos de segurança social as quotas estabelecidas pelas autoridades legítimas.
O desemprego devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para a respectiva família (183).
V. Justiça e solidariedade entre as nações
2437. No plano internacional, a desigualdade dos recursos e meios económicos é tal que cava entre as nações um verdadeiro «fosso» (184) Dum lado, estão os que detêm e desenvolvem os meios do crescimento; do outro, os que acumulam dívidas.
2438. Diversas causas, de natureza religiosa, política, económica e financeira, conferem hoje «à questão social uma dimensão mundial» (185). A solidariedade é necessária entre nações cujas políticas já são interdependentes. E é ainda mais indispensável quando se trata de travar «mecanismos perversos» que contrariam o desenvolvimento dos países menos avançados(186). Os sistemas financeiros abusivos, quando não usurários (187), as relações comerciais iníquas entre as nações, a corrida aos armamentos, têm de ser substituídos por um esforço comum para mobilizar os recursos em ordem a objectivos de desenvolvimento moral, cultural e económico, predefinindo as prioridades e as escalas de valores» (188).
1439. As nações ricas têm uma grave responsabilidade moral em relação aquelas que não podem, por si mesmas, assegurar os meios do seu desenvolvimento ou disso foram impedidas por trágicos acontecimentos históricos. É um dever de solidariedade e caridade; é também uma obrigação de justiça, se o bem-estar das nações ricas provier de recursos que não foram equitativamente pagos.
2440. A ajuda directa constitui uma resposta apropriada a necessidades imediatas, extraordinárias, causadas, por exemplo, por catástrofes naturais, epidemias, etc.. Mas não basta para reparar os graves prejuízos resultantes de situações de indigência nem para prover, de modo durável, às necessidades. É necessário também reformar as instituições económicas e financeiras internacionais, para que melhor promovam relações equitativas com os países menos avançados (189). É necessário apoiar o esforço dos países pobres, trabalhando pelo seu crescimento e pela sua libertação (190). Esta doutrina deve ser aplicada de modo muito particular no domínio do trabalho agrícola. Os camponeses, sobretudo no terceiro mundo, formam a massa preponderante dos pobres.
2441. Aumentar o sentido de Deus e o conhecimento de si mesmo está na base de todo o desenvolvimento completo da sociedade humana. Este multiplica os bens materiais e põe-nos ao serviço da pessoa e da sua liberdade. Diminui a miséria e a exploração económicas. Faz crescer o respeito pelas identidades culturais e a abertura à transcendência (191).
2442. Não compete aos pastores da Igreja intervir directamente na construção política e na organização da vida social. Este papel faz parte da vocação dos fiéis leigos, agindo por sua própria iniciativa juntamente com os seus concidadãos. A acção social pode implicar uma pluralidade de caminhos concretos; mas deverá ter sempre em vista o bem comum e conformar-se a mensagem evangélica e o ensinamento da Igreja. Compete aos fiéis leigos «animar as realidades temporais com o seu compromisso cristão, comportando-se nelas como artífices da paz e da justiça» (192).
VI. O amor dos pobres
2443. Deus abençoa os que ajudam os pobres e reprova os que deles se afastam: «Dá a quem te pede; não voltes as costas a quem pretende pedir-te emprestado» (Mt 5, 42). «Recebestes gratuitamente; pois dai também gratuitamente» (Mt 10, 8). É pelo que tiverem feito pelos pobres, que Jesus reconhecerá os seus eleitos (193). Quando «a boa-nova é anunciada aos pobres» (Mt 11, 5) (194), é sinal de que Cristo está presente.
2444. «O amor da Igreja pelos pobres […] faz parte da sua constante tradição» (195). Esse amor inspira-se no Evangelho das bem-aventuranças (196), na pobreza de Jesus (197) e na sua atenção aos pobres (198). O amor dos pobres é mesmo um dos motivos do dever de trabalhar: para «poder fazer o bem, socorrendo os necessitados» (199). E não se estende somente à pobreza material, mas também às numerosas formas de pobreza cultural e religiosa (200).
2445. O amor dos pobres é incompatível com o amor imoderado das riquezas ou com o uso egoísta das mesmas:
«E agora, ó ricos, chorai em altos brados por causa das desgraças que virão sobre vós. As vossas riquezas estão podres e as vossas vestes roídas pela traça. O vosso oiro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a vossa carne como o fogo. Entesourastes, afinal, para os vossos últimos dias! Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar: e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo! Tendes vivido na terra entregues ao luxo e aos prazeres, cevando assim os vossos apetites para o dia da matança! Condenastes e destes a morte ao inocente, e Deus não vai opor-se?» (Tg 5, 1-6).
2446. São João Crisóstomo lembra com vigor: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos» (201). «Satisfaçam-se, antes de mais, as exigências da justiça e não se ofereça como dom da caridade aquilo que é devido a título de justiça» (202):
«Quando damos aos indigentes o que lhes é necessário, não lhes ofertamos o que é nosso: limitamos a restituir-lhes o que lhes pertence. Mais do que praticar uma obra de misericórdia, cumprimos um dever de justiça» (203).
2447. As obras de misericórdia são as acções caridosas pelas quais vamos em ajuda do nosso próximo, nas suas necessidades corporais e espirituais (204). Instruir, aconselhar, consolar, confortar, são obras de misericórdia espirituais, como perdoar e suportar com paciência. As obras de misericórdia corporais consistem nomeadamente em dar de comer a quem tem fome, albergar quem não tem tecto, vestir os nus, visitar os doentes e os presos, sepultar os mortos (205). Entre estes gestos, a esmola dada aos pobres (206) é um dos principais testemunhos da caridade fraterna e também uma prática de justiça que agrada a Deus (207):
«Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma, e quem tem mantimentos, faça o mesmo» (Lc 3, 11). «Dai antes de esmola do que possuis, e tudo para vós ficará limpo» (Lc 11, 41). «Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem do alimento quotidiano, e um de vós lhe disser: “Ide em paz; tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes der o que é necessário para o corpo, de que lhes aproveitará?» (Tg 2, 15-16) (208).
2448. «Sob as suas múltiplas formas: indigência material, opressão injusta, doenças físicas e psíquicas, e finalmente a morte, a miséria humana é o sinal manifesto da condição congénita de fraqueza em que o homem se encontra desde o primeiro pecado e da necessidade que tem de salvação. Foi por isso que ela atraiu a compaixão de Cristo Salvador, que quis tomá-la sobre Si e identificar-Se com os “mais pequenos de entre os seus irmãos” (Mt 25, 40-45). É por isso, os que se sentem acabrunhados por ela são objecto de um amor preferencial por parte da Igreja que, desde o princípio, apesar das falhas de muitos dos seus membros, nunca deixou de trabalhar por aliviá-los, defendê-los e libertá-los; fê-lo através de inúmeras obras de beneficência, que continuam indispensáveis, sempre e em toda a parte» (209).
2449. Desde o Antigo Testamento, toda a espécie de medidas jurídicas (ano de remissão, interdição de empréstimos a juros e da retenção dum penhor, obrigação do dízimo, pagamento quotidiano da jorna, direito de apanhar os restos da vindima e da ceifa) são uma resposta à exortação do Deuteronómio: «Nunca faltarão os pobres na terra; por isso, faço-te esta recomendação: abre, abre a mão para o teu irmão, para o pobre e necessitado que estiver na tua terra» (Dt 15, 1 l ). E Jesus faz sua esta palavra: «Pobres, sempre os haveis de ter convosco; a Mim, nem sempre Me tereis» (Jo 12, 8). Com isto não faz caducar a força dos oráculos antigos: «Compraremos os necessitados por dinheiro e os pobres por um par de sandálias» (Am 8, 6), mas convida-nos a reconhecer a sua presença na pessoa dos pobres que são seus irmãos (210):
No dia em que a sua mãe a repreendeu por manter em sua casa pobres e doentes. Santa Rosa de Lima respondeu-lhe: «Quando servimos os pobres e os doentes, é a Jesus servimos. Não devemos cansar-nos de ajudar o nosso próximo, porque nele servimos a Jesus» (211).
Resumindo:
2450. «Não roubarás» (Dt 5, 19). «Nem ladrões, nem gananciosos […] nem salteadores herdarão o Reino de Deus» (1 Cor 6, 10).
2451. O sétimo mandamento prescreve a prática da Justiça e da caridade na gestão dos bens terrenos e dos frutos do trabalho dos homens.
2452. Os bens da criação são destinados a todo o género humano. O direito à propriedade privada não pode abolir o destino universal dos bens.
2453. O sétimo mandamento proíbe o roubo. O roubo é a usurpação de um bem de outrem contra a vontade razoável do proprietário.
2454. Todo o processo de tomar e usar injustamente um bem alheio é contrário ao sétimo mandamento. A injustiça cometida exige reparação. A justiça comutativa exige a restituição do bem roubado.
2455. A lei moral proíbe os actos que, com fins mercantis ou totalitários, conduzem a escravizar seres humanos, comprá-los, vendê-los e trocá-los como mercadoria.
2456. O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais do universo, não pode ser separado do respeito pelas obrigações morais, inclusivamente para com as gerações futuras.
2457. Os animais são confiados ao cuidado do homem, que lhes deve benevolência. Podem servir para a justa satisfação das necessidades do homem.
2458. A Igreja pronuncia-se em matéria económica e social, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigem. Ela preocupa-se com o bem comum temporal dos homens, em razão da ordenação do mesmo ao soberano Bem, nosso último fim.
2459. O homem é o autor; o centro e o fim de toda a vida económica e social. O ponto decisivo da questão social é que os bens criados por Deus para todos, cheguem de facto a todos, segundo a justiça e com a ajuda da caridade.
2460. O valor primordial do trabalho diz respeito ao próprio homem, que dele é autor e destinatário. Mediante o seu trabalho, o homem participa na obra da criação. Unido a Cristo, o trabalho pode ser redentor.
2461. O verdadeiro desenvolvimento é o do homem integral. Trata-se de fazer crescer a capacidade de cada pessoa para responder à sua vocação e, portanto, ao apelo de Deus (212).
2462. A esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus.
2463. Na multidão de seres humanos sem pão, sem tecto, sem residência, como não reconhecer Lázaro, o mendigo esfomeado da parábola (213). Como não ouvir Jesus quando diz: «Também a Mim o deixastes de fazer» (Mt 25, 45)?
ARTIGO 8
O OITAVO MANDAMENTO
«Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Ex 20, 16).
«Foi dito aos antigos: “Não faltarás ao que tiveres jurado; hás-de cumprir os teus juramentos para com o Senhor”» (Mt 5, 33).
2464. O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por actos, a recusa em empenhar-se na rectidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces da Aliança.
I. Viver na verdade
2465. O Antigo Testamento declara: Deus é a fonte de toda a verdade. A sua Palavra é verdade (214). A sua lei é verdade (215). «A sua fidelidade permanece de geração em geração» (Sl 119, 90) (216). Uma vez que Deus é o «Verdadeiro» (Rm 3, 4), os membros do seu povo são chamados a viver na verdade (217).
2466. Em Jesus Cristo, a verdade de Deus manifestou-se na sua totalidade. Cheio de graça e de verdade (218), Ele é a «luz do mundo» (Jo 8, 12), Ele é a verdade (219). Quem nele crê não fica nas trevas (220). O discípulo de Jesus «permanece na sua palavra» para conhecer a verdade que liberta (221) e que santifica (222). Seguir Jesus é viver do Espírito de verdade (223) que o Pai envia em seu nome (224) e que conduz «à verdade total» (Jo 14, 17; 16, 13). Aos seus discípulos, Jesus ensina o amor incondicional à verdade: «que a vossa linguagem seja: “sim, sim; não, não”» (Mt 5, 37).
2467. O homem tende naturalmente para a verdade. É obrigado a honrá-la e a testemunhá-la: «Em virtude da sua dignidade, todos os homens, porque pessoas, […] são impelidos pela sua própria natureza e obrigados por exigência moral a procurar a verdade, em primeiro lugar aquela que diz respeito à religião. São obrigados também a aderir à verdade desde que a conheçam e a regular toda a sua vida segundo as exigências da verdade» (225).
2468. A verdade, como rectidão da acção e da palavra humana, chama-se veracidade, sinceridade ou franqueza. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro nos actos e em dizer a verdade nas palavras, evitando a duplicidade, a simulação e a hipocrisia.
2469. «Os homens não seriam capazes de viver juntos, se não tivessem confiança uns nos outros, isto é, se não se dissessem a verdade» (226). A virtude da veracidade dá justamente a outrem o que lhe é devido. A veracidade observa um justo meio-termo entre o que deve ser dito e o segredo que deve ser guardado: implica honestidade e discrição. Por justiça, «um homem deve honestamente ao outro a manifestação da verdade» (227).
2470. O discípulo de Cristo aceita «viver na verdade», isto é, na simplicidade duma vida conforme ao exemplo do Senhor e permanecendo na Sua verdade. «Se dizemos que estamos em comunhão com Ele e andamos nas trevas, mentimos, não praticamos a verdade» (1 Jo 1, 6).
II. «Dar testemunho da verdade»
2471. Diante de Pilatos, Cristo proclama que «veio ao mundo para dar testemunho da verdade» (228). O cristão não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2 Tm 1, 8). Em situações que exigem a confissão da fé, o cristão deve professá-la sem equívoco, conforme o exemplo de São Paulo diante dos seus juízes. É preciso guardar uma consciência irrepreensível diante de Deus e dos homens» (Act 24, 16).
2472. O dever dos cristãos, de tomar parte na vida da Igreja, leva-os a agir como testemunhas do Evangelho e das obrigações que dele dimanam. Este testemunho é transmissão da fé por palavras e obras. O testemunho é um acto de justiça que estabelece ou que dá a conhecer a verdade (229): «Todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Baptismo e a virtude do Espírito Santo, com que foram robustecidos na Confirmação» (230).
2473. O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé; designa um testemunho que vai até à morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, ao qual está unido pela caridade. Dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Suporta a morte com um acto de fortaleza. «Deixai-me ser pasto das feras, pelas quais poderei chegar à posse de Deus» (231).
2474. A Igreja recolheu com o maior cuidado as memórias daqueles que foram até ao fim na confissão da sua fé. São as Actas dos Mártires, as quais constituem os arquivos da verdade escritos com letras de sangue:
«De nada me serviriam os atractivos do mundo ou os reinos deste século. Prefiro morrer em Cristo Jesus a reinar sobre todos os confins da terra. Procuro Aquele que morreu por nós; quero Aquele que ressuscitou por nossa causa. Estou prestes a nascer…» (232).
«Eu Te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, digno de ser contado no número dos teus mártires (…). Tu cumpriste a tua promessa, Deus da fidelidade e da verdade. Por esta graça e por tudo, eu Te louvo e Te bendigo; eu Te glorifico pelo eterno e celeste Sumo-Sacerdote Jesus Cristo, Teu Filho muito-amado. Por Ele, que está contigo e com o Espírito, glória a Ti, agora e pelos séculos sem fim. Ámen» (233).
III. As ofensas à verdade
2475. Os discípulos de Cristo «revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras» (Ef 4, 24). «Libertos da mentira» (Ef 4, 25), devem rejeitar «toda a malícia, falsidade, hipocrisia, invejas e toda a espécie de maledicência» (1 Pe 2, I).
2476. Falso testemunho e perjúrio. Uma afirmação contrária à verdade feita publicamente, reveste-se de gravidade particular: perante um tribunal, é um falso testemunho (234); quando mantida sob juramento, é um perjúrio. Estes modos de agir contribuem quer para condenar um inocente, quer para absolver um culpado ou aumentar a pena em que tiver incorrido o acusado (235). E comprometem gravemente o exercício da justiça e a equidade da sentença pronunciada pelos juízes.
2477. O respeito pela reputação das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra susceptíveis de lhes causar um dano injusto (236). Torna-se culpado:
– de juízo temerário, aquele que, mesmo tacitamente, admite como verdadeiro, sem prova suficiente, um defeito moral do próximo;
– de maledicência, aquele que, sem motivo objectivamente válido, revela os defeitos e as faltas de outrem a pessoas que os ignoram (237);
– de calúnia, aquele que, por afirmações contrárias à verdade, prejudica a reputação dos outros e dá ocasião a falsos juízos a seu respeito.
2478. Para evitar o juízo temerário, cada um procurará interpretar em sentido favorável, tanto quanto possível, os pensamentos, as palavras e os actos do seu próximo:
«Todo o bom cristão deve estar mais pronto a interpretar favoravelmente a opinião ou afirmação obscura do próximo do que a condená-la. Se de modo nenhum a pode aprovar, interrogue-se sobre como é que ele a compreende: se ele pensa ou compreende menos rectamente, corrija-o com benevolência; e se isso não basta, tentem-se todos os meios oportunos para que, compreendendo-a bem, ele regresse do erro são e salvo» (238).
2479. A maledicência e a calúnia destroem a reputação e a honra do próximo. Ora, a honra é o testemunho social prestado à dignidade humana e todos gozam do direito natural à honra do seu nome, à boa reputação e ao respeito. Por isso, a maledicência e a calúnia lesam as virtudes da justiça e da caridade.
2480. Deve condenar-se toda a palavra ou atitude que, por lisonja, adulação ou complacência, estimula e confirma outrem na malícia dos seus actos e na perversidade da sua conduta. A adulação é uma falta grave, se se tornar cúmplice de vícios ou de pecados graves. Nem o desejo de prestar um serviço nem a amizade justificam a duplicidade de linguagem. A adulação é um pecado venial quando apenas se deseja ser agradável, evitar um mal, valer a uma necessidade ou obter vantagens legítimas.
2481. A jactância ou vanglória constitui um pecado contra a verdade. O mesmo se diga da ironia que visa depreciar alguém, caricaturando, de modo malévolo, um ou outro aspecto do seu comportamento.
2482. «A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar» (239). O Senhor denuncia na mentira uma obra diabólica: «Vós tendes por pai o diabo, [… ] nele não há verdade; quando fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44).
2483. A mentira é a ofensa mais directa à verdade. Mentir é falar ou agir contrariamente à verdade, para induzir em erro. Lesando a relação do homem com a verdade e com o próximo, a mentira ofende a relação fundamental do homem e da sua palavra com o Senhor.
2484. A gravidade da mentira mede-se pela natureza da verdade que ela deforma, atendendo às circunstâncias, às intenções de quem a comete e aos danos causados àqueles que são suas vítimas. Embora a mentira, em si, não constitua mais que um pecado venial, torna-se mortal quando lesa gravemente as virtudes da justiça e da caridade.
2485. A mentira é, por sua natureza, condenável. É uma profanação da palavra, a qual tem por fim comunicar aos outros a verdade conhecida. O propósito deliberado de induzir o próximo em erro, por meio de afirmações contrárias à verdade constitui uma falta contra justiça e contra a caridade. A culpabilidade é maior quando a intenção de enganar pode ter consequências funestas para aqueles que são desviados da verdade.
2486. A mentira (porque é uma violação da virtude da veracidade) é uma autêntica violência feita a outrem. Este é atingido na sua capacidade de conhecer, a qual é condição de todo o juízo e de toda a decisão. A mentira contém em gérmen a divisão dos espíritos e todos os males que a mesma suscita. É funesta para toda a sociedade: destrói pela base a confiança entre os homens e retalha o tecido das relações sociais.
2487. Qualquer falta cometida contra a justiça e contra a verdade implica o dever da reparação, mesmo que o seu autor tenha sido perdoado. Quando for impossível reparar publicamente um mal, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que foi lesado não pode ser indemnizado directamente, deve dar-se-lhe uma satisfação moral, em nome da caridade. Este dever de reparação diz respeito também às faltas cometidas contra a reputação alheia. A reparação, moral e às vezes material, deve ser avaliada segundo a medida do prejuízo causado e obriga em consciência.
IV. O respeito pela verdade
2488. O direito à comunicação da verdade não é absoluto. Cada um deve conformar a sua vida com o preceito evangélico do amor fraterno, mas este requer, em situações concretas, que avaliemos se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.
2489. É a caridade e o respeito pela verdade que devem ditar a resposta a qualquer pedido de informação ou de comunicação. O bem e a segurança de outrem, o respeito pela vida privada e pelo bem comum, são razões suficientes para calar o que não deve ser conhecido ou para usar uma linguagem discreta. Muitas vezes, o dever de evitar o escândalo impõe uma estrita discrição. Ninguém é obrigado a revelar a verdade a quem não tem o direito de a conhecer (240).
2490. O sigilo do sacramento da Reconciliação é sagrado e não pode ser revelado sob pretexto algum. «O sigilo sacramental é inviolável; pelo que o confessor não pode denunciar o penitente, nem por palavras nem por qualquer outro modo, nem por causa alguma»(241).
2491. Os segredos profissionais – conhecidos, por exemplo, por políticos, militares, médicos, juristas – ou as confidências feitas sob sigilo, devem ser guardados, salvo em casos excepcionais em que a retenção do segredo poderia causar a quem o confiou, a quem o recebeu, ou a terceiros, danos muito graves e somente evitáveis pela revelação da verdade. Mesmo que não tenham sido confiadas sob sigilo, as informações particulares prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas sem uma razão grave e proporcionada.
2492. Cada qual deve observar uma justa reserva a propósito da vida privada das pessoas. Os responsáveis pela comunicação devem guardar uma justa proporção entre as exigências do bem comum e o respeito pelos direitos particulares. A ingerência dos órgãos de informação na vida privada das pessoas comprometidas numa actividade política ou pública é condenável na medida em que atenta contra a sua intimidade e a sua liberdade.
V. O uso dos meios de comunicação social
2493. Na sociedade moderna, os meios de comunicação social desempenham um papel de grande relevo na informação, na promoção cultural e na formação. Este papel é cada vez maior, em virtude dos progressos técnicos, do alcance e diversidade das notícias transmitidas e da influência exercida sobre a opinião pública.
2494. A informação mediática está ao serviço do bem comum (242). A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade, na justiça e na solidariedade.
«O uso recto deste direito requer que a comunicação seja, quanto ao objecto, sempre verídica, e quanto ao respeito pelas exigências da justiça e da caridade, completa; quanto ao modo, que seja honesta e conveniente, quer dizer, que na obtenção e difusão das notícias, observe absolutamente as leis morais, os direitos e a dignidade do homem» (243).
2495 «Também neste domínio é necessário que todos os membros da sociedade cumpram os seus deveres de justiça e de verdade. Devem utilizar os meios de comunicação social no sentido de concorrer para a formação e difusão de um recta opinião pública» (244).
A solidariedade é consequência duma comunicação verdadeira e justa e da livre circulação das ideias que favorecem o conhecimento e o respeito pelos outros.
2496. Os meios de comunicação social (em particular os mass-média) podem gerar uma certa passividade nos utentes, fazendo deles consumidores pouco cautelosos de mensagens e espectáculos. Os utentes devem impor a si próprios moderação e disciplina em relação aos mass-média. Hão-de formar-se uma consciência esclarecida e recta, para resistir mais facilmente às influências menos honestas.
2497. Pela própria natureza da sua profissão na imprensa, os seus responsáveis têm a obrigação, na difusão da informação, de servir a verdade sem ofender a caridade. Esforçar-se-ão por respeitar, com igual cuidado, a natureza dos factos e os limites do juízo crítico em relação às pessoas. Devem evitar ceder à difamação.
2498. «Cabem às autoridades civis deveres particulares em razão do bem comum. […] Os poderes públicos devem defender e proteger a verdadeira e justa liberdade de informação» (245). Promulgando leis e velando pela sua aplicação, os poderes públicos «responsabilizar-se-ão por que o mau uso dos média não venha a causar graves prejuízos aos costumes públicos e aos progressos da sociedade» (246). Sancionarão a violação dos direitos de cada um ao bom nome e à privacidade; prestarão a tempo e honestamente as informações que dizem respeito ao bem geral ou correspondem a justas preocupações da população. Nada pode justificar o recurso às falsas informações para manipular a opinião pública através dos média. Essas intervenções não deverão atentar contra a liberdade dos indivíduos e dos grupos.
2499. A moral denuncia a chaga dos estados totalitários, que falsificam sistematicamente a verdade, exercem através dos «média» o domínio político da opinião, «manipulam» os acusados e as testemunhas dos processos públicos e pensam assegurar a sua tirania sufocando e reprimindo tudo o que consideram como «delitos de opinião».
VI. Verdade, beleza e arte sacra
2500. A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Do mesmo modo, a verdade comporta a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência; mas a verdade pode encontrar também outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela comporta de indizível: as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes mesmo de Se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus revela-Se-lhe pela linguagem universal da criação, obra da sua Palavra e da sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do cosmos – que podem ser descobertas tanto pela criança como pelo homem de ciência – , «a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5), «porque foi a própria fonte da beleza que as criou» (Sb 13, 3).
«Com efeito, a Sabedoria é um sopro do poder de Deus, efusão pura da glória do Omnipotente; por isso, nenhum elemento impuro a pode atingir. Ela é o esplendor da luz eterna, límpido espelho da actividade de Deus, imagem da sua bondade» (Sb 7, 25-26). «A Sabedoria é, de facto, mais formosa do que o sol e supera todas as constelações. Comparada com a luz, revela-se mais excelente, porque à luz sucede a noite, mas a maldade nada pode contra a Sabedoria (Sb 7, 29-30). Amei-a […] e enamorei-me dos seus encantos» (Sb 8, 2)
2501. «Criado à imagem de Deus» (247), o homem exprime também a verdade da sua relação com Deus Criador pela beleza das suas obras artísticas. A arte é, com efeito, uma forma de expressão especificamente humana. Para além da busca da satisfação das necessidades vitais, comum a todas as criaturas vivas, a arte é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser humano. Fruto do talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é uma forma de sabedoria prática, unindo conhecimento e habilidade (248) para dar forma à verdade duma realidade, em linguagem acessível à vista ou ao ouvido. A arte comporta assim uma certa semelhança com a actividade de Deus no mundo criado, na medida em que se inspira na verdade e no amor dos seres. Como qualquer outra actividade humana, a arte não tem em si mesma o seu fim absoluto; mas é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem (249).
2502. A arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, pela forma, à sua vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o mistério transcendente de Deus, sobre eminente beleza invisível da verdade e do amor, manifestada em Cristo, «esplendor da sua glória e imagem da sua substância» (Heb 1, 3), no Qual «habita corporalmente toda a plenitude da divindade» (Cl 2, 9); beleza espiritual reflectida na santíssima Virgem Mãe de Deus, nos anjos e nos santos. A verdadeira arte sacra leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus, Criador e Salvador, Santo e Santificador.
2503. Por isso, os bispos devem, por si próprios ou por delegados, velar pela promoção da arte sacra, antiga e nova, sob todas as suas formas e, com o mesmo religioso cuidado, afastar da liturgia e dos lugares de culto tudo o que não for conforme com a verdade da fé e a autêntica beleza da arte sacra (250).
Resumindo:
2504. «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» (Ex 20, 16). Os discípulos de Cristo revestiram-se «do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade» (Ef 4, 24).
2505. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro nos actos e em dizer a verdade nas palavras, evitando a duplicidade, a simulação e a hipocrisia.
2506. O cristão não deve «envergonhar-se de dar testemunho do Senhor» (2 Tm 1, 8) em actos e palavras. O martírio é o supremo testemunho dado em favor da verdade da fé.
2507. O respeito pelo bom nome e pela honra das pessoas proíbe toda e qualquer atitude ou palavra de maledicência ou calúnia.
2508. A mentira consiste em dizer o que é falso, com a intenção de enganar o próximo.
2509. Uma falta cometida contra a verdade exige reparação.
2510. Em situações concretas, a regra de ouro ajuda a discernir se convém ou não revelar a verdade a quem a pede.
2511. «O sigilo sacramental é inviolável» (251). Os segredos profissionais devem ser guardados. As confidências prejudiciais a outrem não devem ser divulgadas.
2512. A sociedade tem direito a uma informação fundada na verdade, na liberdade e na justiça. É preciso impor-se moderação e disciplina no uso dos meios de comunicação social.
2513. As belas-artes, mas sobretudo a arte sacra, «estão relacionadas, por sua natureza, com a infinita beleza de Deus, que deve ser expressa de algum modo nas obras humanas. E tanto mais se consagram a Deus e contribuem para o seu louvor e para a sua glória, quanto mais se afastarem de todo o propósito que não seja o de contribuir o mais eficazmente possível, através das suas obras, para dirigir o espírito dos homens, piamente, para Deus» (252).
ARTIGO 9
O NONO MANDAMENTO
«Não cobiçarás a casa do teu próximo, não desejarás a mulher do próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Ex 20, 17).
«Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5, 28).
2514. São João distingue três espécies de cupidez ou concupiscência: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida (253). Segundo a tradição catequética católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; e o décimo, a cobiça dos bens alheios.
2515. Em sentido etimológico, «concupiscência» pode designar todas as formas veementes de desejo humano. A teologia cristã deu-lhe o sentido particular de impulso do apetite sensível, contrário aos ditames da razão humana. O apóstolo São Paulo identifica-a com a revolta que a «carne» instiga contra o «espírito» (254). Procede da desobediência do primeiro pecado (255). Desregra as faculdades morais do homem e, sem ser nenhuma falta em si mesma, inclina o homem para cometer pecado (256).
2516. No homem, porque é um ser integrado de espírito e corpo, já existe uma certa tensão. Trava-se nele uma certa luta de tendências entre o «espírito» e a «carne». Mas esta luta, de facto, faz parte da herança do pecado, é uma consequência dele e, ao mesmo tempo, uma sua confirmação. Faz parte da experiência quotidiana do combate espiritual:
«Para o Apóstolo, não se trata de desprezar e condenar o corpo que, com a alma espiritual, constitui a natureza do homem e a sua personalidade de sujeito; pelo contrário, ele fala das obras, ou antes, das disposições estáveis, virtudes e vícios, moralmente boas ou más, que são o fruto da submissão (no primeiro caso) ou, pelo contrário, da resistência (no segundo caso) à acção salvadora do Espírito Santo. É por isso que o Apóstolo escreve: “Se vivemos pelo Espírito, caminhemos também segundo o espírito” (Gl 5, 25)» (257).
I. A purificação do coração
2517. O coração é a sede da personalidade moral: «Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições» (Mt 15, 19). A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança:
«Mantém-te na simplicidade, na inocência, e serás como as criancinhas que ignoram o mal, destruidor da vida dos homens» (258).
2518. A sexta bem-aventurança proclama: «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8). Os «puros de coração» são os que puseram a inteligência e a vontade de acordo com as exigências da santidade de Deus, principalmente em três domínios: a caridade (259); a castidade ou rectidão sexual (260); o amor da verdade e a ortodoxia da fé (261), Existe um nexo entre a pureza do coração, do corpo e da fé:
Os fiéis devem crer nos artigos do Credo, «para que, crendo, obedeçam a Deus; obedecendo a Deus, vivam como deve ser; vivendo como deve ser, purifiquem o seu coração; e purificando o seu coração, compreendam aquilo em que crêem» (262).
2519. Aos «puros de coração» é prometido que verão a Deus face a face e serão semelhantes a Ele (263). A pureza do coração é condição prévia para a visão. Já desde agora, permite-nos ver segundo Deus, aceitar o outro como um «próximo» e compreender o corpo humano, o nosso e o do próximo, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.
II. O combate pela pureza
2520. O Baptismo confere a quem o recebe a graça da purificação de todos os pecados. Mas o baptizado tem de continuar a lutar contra a concupiscência da carne e os desejos desordenados. Com a graça de Deus, consegui-lo-ei:
– pela virtude e pelo dom da castidade, pois a castidade permite amar com um coração recto e sem partilha;
– pela pureza de intenção, que consiste em ter em vista o verdadeiro fim do homem: com um olhar simples, o baptizado procura descobrir e cumprir em tudo a vontade de Deus (264);
– pela pureza do olhar, exterior e interior; pela disciplina dos sentidos e da imaginação; pela rejeição da complacência em pensamentos impuros que o levariam a desviar-se do caminho dos mandamentos divinos: «a vista excita a paixão dos insensatos» (Sb 15, 5).
– pela oração:
«Eu pensava que a continência dependia das minhas próprias forças, forças que em mim não conhecia. E era suficientemente louco para não saber […] que ninguém pode ser continente, se Tu lho não concederes. E de certo Tu o terias concedido, se com gemido interior eu chamasse aos teus ouvidos e se com fé sólida lançasse em Ti o meu cuidado» (265).
2521. A pureza exige o pudor. O pudor é parte integrante da temperança. O pudor preserva a intimidade da pessoa. Designa a recusa de mostrar o que deve ficar oculto. Ordena-se à castidade e comprova-lhe a delicadeza. Orienta os olhares e as atitudes em conformidade com a dignidade das pessoas e com a união que existe entre elas.
2522. O pudor protege o mistério da pessoa e do seu amor. Convida à paciência e à moderação na relação amorosa e exige que se cumpram as condições do dom e do compromisso definitivo do homem e da mulher entre si. O pudor é modéstia. Inspira a escolha do vestuário, mantém o silêncio ou o recato onde se adivinha o perigo duma curiosidade malsã. O pudor é discrição.
2523. Existe um pudor dos sentimentos, tal como existe um pudor corporal. Ele protesta, por exemplo, contra as explorações exibicionistas do corpo humano em certa publicidade, ou contra a solicitação de certos meios de comunicação em ir longe demais na revelação de confidências íntimas. O pudor inspira um modo de viver que permite resistir às solicitações da moda e à pressão das ideologias dominantes.
2524. As formas de que o pudor se reveste variam de cultura para cultura. No entanto, ele continua a ser, em toda a parte, o pressentimento duma dignidade espiritual própria do homem. Nasce com o despertar da consciência pessoal. Ensinar o pudor às crianças e adolescentes é despertá-los para o respeito pela pessoa humana.
2525. A pureza cristã exige uma purificação do ambiente social. Exige dos meios de comunicação social uma informação preocupada com o respeito e o recato. A pureza de coração liberta do erotismo difuso e afasta dos espectáculos que favorecem a curiosidade mórbida e a ilusão.
2526. A chamada permissividade dos costumes assenta numa concepção errónea da liberdade humana; para se edificar, esta precisa de se deixar educar previamente pela lei moral. Deve pedir-se aos responsáveis pela educação que ministrem à juventude um ensino respeitador da verdade, das qualidades do coração e da dignidade moral e espiritual do homem.
2527. «A boa-nova de Cristo renova constantemente a vida e a cultura do homem decaído; combate e repele os erros e os males provenientes da sedução sempre ameaçadora do pecado. Purifica e eleva sem cessar a moralidade dos povos. Com as riquezas do alto, fecunda, consolida, completa e restaura em Cristo, como que a partir de dentro, as qualidades espirituais e os dotes de todos os povos e eras» (266)
Resumindo:
2528. «Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração» (Mt 5, 28).
2529. O nono mandamento acautela-nos contra a cupidez ou concupiscência carnal.
2530. A luta contra a concupiscência carnal passa pela purificação do coração e pela prática da temperança.
2531. A pureza de coração permitir-nos-á ver a Deus: desde já, permite-nos ver tudo segundo Deus.
2532. A purificação do coração exige a oração, a prática da castidade, a pureza de intenção e do olhar.
2533. A pureza do coração requer o pudor que é paciência, modéstia e discrição. O pudor preserva a intimidade da pessoa.
ARTIGO 10
O DÉCIMO MANDAMENTO
«Não cobiçarás […] nada que pertença [ao teu próximo]» (Ex 20, 17). «Não cobiçarás a casa [do teu próximo], nem o seu campo, nem o seu servo nem a sua serva, o seu boi, ou o seu jumento, nem nada que lhe pertença» (Dt 5, 21).
«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6, 21).
2534. O décimo mandamento desdobra e completa o nono, que tem por objecto a concupiscência da carne. Proíbe cobiçar o bem de outrem, raiz de onde procede o roubo, a rapina e a fraude, proibidos pelo sétimo mandamento. A «concupiscência dos olhos» (1 Jo 2, 16) conduz à dolência e à injustiça, proibidas pelo quinto mandamento (267). A cobiça, bem como a fornicação, tem a sua origem na idolatria, proibida nos três primeiros mandamentos da Lei (268). O décimo mandamento incide sobre a intenção do coração e resume, com o nono, todos os preceitos da Lei.
I. A desordem das cobiças
2535. O apetite sensível leva-nos a desejar as coisas agradáveis que não possuímos. Exemplo disso é desejar comer quando se tem fome ou aquecer-se quando se tem frio. Estes desejos são bons em si mesmos; muitas vezes, porém, não respeitam os limites da razão e levam-nos a cobiçar injustamente o que não é nosso e que pertence, ou é devido, a outrem.
2536. O décimo mandamento condena a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder. Interdita também o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo nos seus bens temporais:
«Quando a Lei nos diz: “Não cobiçarás”, diz-nos, por outras palavras, que afastemos os nossos desejos de tudo o que não nos pertence. Porque a sede da cobiça dos bens alheios é imensa, infindável e insaciável, conforme está escrito: “O avarento nunca se fartará de dinheiro” (Sir 5, 9)» (269).
2537. Não é violar este mandamento desejar obter coisas que pertencem ao próximo, desde que seja por meios legítimos. A catequese tradicional menciona, com realismo, «os que têm que lutar mais contra as suas cobiças criminosas» e que, portanto, precisam de ser «exortados com mais insistência a observarem este preceito»:
«São [.. .] os comerciantes que desejam a falta ou carestia das coisas, que vêem com pena não serem eles os únicos a comprar e a vender, o que lhes permitiria vender mais caro e comprar mais barato; os que desejam ver o seu semelhante na miséria, para obterem maiores lucros, quer vendendo quer comprando […]. Os médicos, que desejam que haja doentes; os advogados, que reclamam causas e processos importantes e numerosos…» (270).
2538. O décimo mandamento exige que seja banida a inveja do coração humano. Quando o profeta Natan quis estimular o arrependimento do rei David, contou-lhe a história do pobre que só possuía uma ovelha, tratada como se fosse uma filha, e do rico que, apesar dos seus numerosos rebanhos, tinha inveja dele e acabou por lhe roubar a ovelha (271). A inveja pode levar aos piores crimes (272). «Foi pela inveja do demónio que a morte entrou no mundo» (Sb 2, 24).
«Combatemo-nos uns aos outros e é a inveja que nos arma uns contra os outros […]. Se todos se encarniçam assim a abalar o corpo de Cristo, onde chegaremos nós? Estamos a aniquilar o corpo de Cristo. […] Declaramo-nos membros dum mesmo organismo e devoramo-nos como feras» (273).
2539. A inveja é um vício capital. Designa a tristeza que se sente perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele, mesmo indevidamente. Se desejar ao próximo um mal grave, é pecado mortal:
Santo Agostinho via na inveja «o pecado diabólico por excelência» (274).
«Da inveja nascem o ódio, a maledicência, a calúnia, a alegria causada pelo mal do próximo e o desgosto causado pela sua prosperidade» (275).
2540. A inveja representa uma das formas da tristeza e, portanto, uma recusa da caridade; o baptizado lutará contra ela, opondo-lhe a benevolência. Muitas vezes, a inveja nasce do orgulho; o baptizado exercitar-se-á a viver na humildade:
«Quereríeis ver Deus glorificado por vós? Pois bem, alegrai-vos com os progressos do vosso irmão e, assim, será por vós que Deus é glorificado. Deus será louvado, dir-se-á, pelo facto de o seu servo ter sabido vencer a inveja, pondo a sua alegria nos méritos dos outros» (276).
II. Os desejos do Espírito
2541. A economia da lei e da graça desvia o coração dos homens da cobiça e da inveja; inicia-o no desejo do sumo bem; e instrui-o nos desejos do Espírito Santo que sacia o coração do homem.
O Deus das promessas desde sempre pôs o homem de prevenção contra a sedução daquilo que, desde as origens, aparece como «bom para comer, […] de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência» (Gn 3, 6).
2542. A Lei, confiada a Israel, nunca foi suficiente para justificar aqueles que lhe estavam sujeitos; chegou até a tornar-se instrumento de «concupiscência» (277). A inadequação entre o querer e o fazer (278) manifesta o conflito entre a Lei de Deus, que é a «lei da razão», e uma outra lei «que me retém cativo na lei do pecado, que se encontra nos meus membros» (Rm 7, 23).
2543. «Agora, foi sem a Lei que se manifestou a justiça de Deus, testemunhada pela Lei e pelos Profetas: a justiça que vem para todos os crentes, mediante a fé em Jesus Cristo» (Rm 3, 21-22). E assim, os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Gl 5, 24); são conduzidos pelo Espírito (279) e seguem os desejos do Espírito (280).
III. A pobreza de coração
2544. Jesus impõe aos seus discípulos que O prefiram a tudo e a todos e propõe-lhes que renunciem a todos os seus bens (281) por causa d’Ele e do Evangelho (282). Pouco antes da sua paixão, deu-lhes o exemplo da pobre viúva de Jerusalém que, da sua penúria, deu tudo o que tinha para viver (283). O preceito do desapego das riquezas é obrigatório para entrar no Reino dos céus.
2545. Todos os fiéis de Cristo devem «ordenar rectamente os próprios afectos, para não serem impedidos de avançar na perfeição da caridade pelo uso das coisas terrenas e pelo apego às riquezas, em oposição ao espírito de pobreza evangélica» (284).
2546. «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5, 3). As bem-aventuranças revelam uma ordem de felicidade e de graça, de beleza e de paz. Jesus celebra a alegria dos pobres, aos quais o Reino pertence desde já (285):
«O Verbo chama “pobreza em espírito” à humildade voluntária do espírito humano e à sua renúncia; e o Apóstolo dá-nos como exemplo a pobreza de Deus, quando diz: «Ele fez-Se pobre por nós (2 Cor 8, 9)» (286).
2547. O Senhor lamenta-Se dos ricos, porque eles encontram a sua consolação na abundância de bens (287). «O orgulhoso procura o poder terreno, ao passo que o pobre em espírito procura o Reino dos céus» (288). O abandono à providência do Pai do céu liberta da preocupação pelo amanhã. A confiança em Deus dispõe para a bem-aventurança dos pobres (289). Eles verão a Deus.
IV. «Quero ver a Deus»
2548. O desejo da verdadeira felicidade liberta o homem do apego imoderado aos bens deste mundo, e terá a sua plenitude na visão beatífica de Deus. «A promessa de ver a Deus ultrapassa toda a bem-aventurança. […] Na Escritura, ver é possuir. […] Por isso aquele que vê a Deus obteve todos os bens que se possam imaginar» (290).
2549. Resta ao povo santo lutar, com a graça do Alto, para alcançar os bens que Deus promete. Para possuir e contemplar a Deus, os fiéis de Cristo mortificam os seus maus desejos e, com a graça do mesmo Deus, triunfam das seduções do prazer e do poder.
2550. Neste caminho da perfeição, o Espírito e a Esposa chamam quem os escuta (291) à comunhão perfeita com Deus:
«Ali será a verdadeira glória; ninguém ali será louvado por engano ou por lisonja; as verdadeiras honras não serão nem recusadas aos que as merecem, nem dadas aos indignos delas; aliás, não haverá ali indigno que as pretenda, pois só os dignos lá serão admitidos. Ali reinará a verdadeira paz; ninguém terá oposição, nem de si mesmo nem dos outros. O próprio Deus será a recompensa da virtude, Ele que a deu e Se lhe prometeu como recompensa, a maior e melhor que possa existir: […] “Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Lv 26, 12) […] É também este o sentido das palavras do Apóstolo: “Para que Deus seja tudo em todos” (I Cor 15, 28). Ele mesmo será o fim dos nossos desejos, Ele que nós havemos de contemplar sem fim, de amar sem saciedade, de louvar sem cansaço. É este dom, este afecto, esta ocupação serão, sem dúvida, comuns a todos como a vida eterna» (292).
Resumindo:
2551. «Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6, 21).
2552. O décimo mandamento proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e seu poder.
2553 Inveja é a tristeza que se experimenta perante o bem alheio e o desejo imoderado de se apropriar dele. É um vício capital.
2554 O baptizado combate a inveja pela benevolência, pela humildade e pelo abandono à providência divina.
2555. Os fiéis de Cristo «crucificaram a carne com as suas paixões e desejos» (Gl 5, 24); são conduzidos pelo Espírito e seguem os seus desejos.
2556. O desapego das riquezas é necessário para entrar no Reino dos céus. «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5, 3).
2557. O homem de desejo diz: «Quero ver a Deus», sede de Deus é saciada pela água da vida eterna (293).
Notas
1. Cf. Mc 7, 8-13.
2. Cf. Dt 5, 16.
3. Cf. Dt 5, 16.
4. João Paulo II. Ex. ap. Familiaris consortio, 21: AAS 74 (1982) 105; cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
5. Cf. Ef 5, 21-6, 4; Cl 3, 18-21; 1 Pe 3, 1-7.
6. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
7. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067.
8. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 52: AAS 58 (1966) 1073.
9. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 46: AAS 74 (1982) 137-138
10. Cf. Ef 3, 15.
11. Cf. Pr 1, 8; Tb 4, 3-4.
12. Cf. Ex 20, 12.
13. Cf. Ef 6, 1.
14. Cf. Mc 7, 10-12.
15. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 3: AAS 58 (1966) 731.
16. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 36: AAS 74 (1982) 126.
17. João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 36: AAS 83 (1991) 838.
18. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16: cf. CIC can. 1136.
19. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 16.
20. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1069.
21.Cf. Mt 18. 21-22; Lc 17, 4.
22. Cf. II Concílio do Vaticano, Decl. Gravissimum educationis, 6: AAS 58 (1966) 733.
23. Cf. Mt 16, 23.
24. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 25: AAS 83 (1991) 823.
25. Cf. Rm 13, 1-2.
26. Epístola a Diogneto, 5, 5; 5, 10; 6, 10: SC 33. 62-66 (Funk 1,. 398-400).
27. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,74: AAS 58 (1966) 1096.
28. Cf. João Paulo II. Enc. Centesimus annus, 45-46: AAS 83 (1991) 849-851.
29. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1099.
30. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1099.
31. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1100.
32. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067.
33. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, Introductio, 5: AAS 80 ( 1988) 76-77.
34. Cf. Gn 4, 8-12.
35. Cf. Lv 17, 14
36. Cf Mt 5, 22-26.38-39.
37. Cf. Mt 5, 44.
38. Cf. Mt 26, 52.
39. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74.
40. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74.
41. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 64. a. 7. c: Ed. Leon. 9, 74.
42. Discurso do Papa Francisco por ocasião do XXV Aniversário do Catecismo da Igreja Católica, 11 de setembro de 2017.
43. Cf. Gn 4, 10.
44. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072.
45. Cf. Am 8, 4-10.
46. Cf. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1. 1: AAS 80 (1988) 79.
47. Didaké 2, 2: SC 248, 148 (Funk 1, 8); cf. Epistola Pseudo Barnabae 19. 5: SC 172, 202 (Funk 1, 90); Epistola a Diogneto 5, 6: SC 33. 62 (Funk 1. 398): Tertuliano, Apologeticum, 9, 8: CCL 1, 103 (PL 1, 371-372).
48. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1072.
49. CIC can. 1398.
50. CIC can. 1314.
51. Cf. CIC can. 1323-1324.
52. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 98-99.
53. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 3: AAS 80 (1988) 99.
54. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 2: AAS 80 (1988) 70-80.
55. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 3. AAS 80 (1988) 80-81.
56. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 5: AAS 80 (1988) 83.
57. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 1, 6: AAS 80 (1988) 85.
58. Cf Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Iura et bona: AAS 72 (1980) 542-552.
59. Cf. 1 Cor 8, 10-13.
60. Cf. Mt 7, 15.
61. Pio XII. Mensagem radiofónica (1 de Junho de 1941): AAS 33 (1941) 197.
62. Cf. Ef 6, 4: Cl 3, 21
63. Cf. Pio XI. Enc. Casti connubii: DS 3722-3723.
64. Cf. Tb 1, 16-18.
65. Cf. CIC can. 1176, §3. III.
66. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 158. a. 1. ad 3: Ed. Leon, 10, 273.
67. Santo Agostinho, De civitate Dei, 19, 13: CSEL 40/2, 395 (PL 41, 640).
68. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101.
69. Cf. Ef 2, 16: Cl 1, 20-22.
70. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 1: AAS 57 (1965) 5.
71. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1101-1102.
72. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 81: AAS 58 (1966) 1105.
73. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103
74. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103.
75. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103.
76. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 79: AAS 58 (1966) 1103.
77. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 80: AAS 58 (1966) 1104.
78. Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 53: AAS 59 (1967) 283.
79. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 78: AAS 58 (1966) 1102.
80. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 27: AAS 58 (1966) 1048.
81. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 81: AAS 58 (1966) 1105.
82. Cf. Dt 5, 18.
83. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11: AAS 74 (1982) 91-92.
84. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 22: AAS 74 (1982) 107: cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070.
85. João Paulo II. Ep. ap. Mulieris dignitatem, 6: AAS 80 (1988) 1663.
86. Cf. Gn 4, 1-2.25-26; 5,1.
87. Cf. Mt 19, 6.
88. Cf. Mt 5, 37.
89. Cf. Sir 1, 22.
90. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037-1038.
91. Santo Agostinho, Confissões, 10, 29, 40: CCL 27, 176 (PL 32. 796).
92. Cf. Tt 2, 1-6.
93. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 34: AAS 74 (1982) 123.
94. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 25: AAS 58 (1966) 1045.
95. Cf. Gl 5. 22-23.
96. Cf. 1 Jo 3, 3.
97. Cf. Jo 15, 15.
98. Cf. Gl 3, 27.
99. Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 11: AAS 68 (1976) 90-91.
100. Santo Ambrósio, De viduis 23: Sancti Ambrosii Episcopi Mediolanensis opera, v. 14/1 (Milano-Roma 1989), p. 266 (PL 16, 241-242).
101. Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 9: AAS 68 (1976) 86.
102. Cf. 1 Cor 6, 15-20.
103. Cf. Gn 19, 1-29; Rm 1, 24-27; 1 Cor 6, 9-10; 1 Tm 1, 10.
104. Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 8: AAS 68 (1976) 95.
105. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 11: AAS 74 (1982) 92.
106. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 49: AAS 58 (1966) 1070.
107. Pio XII, Alocução aos participantes no Congresso da União Católica Italiana de Obstetras (29 de Outubro de 1951): AAS 43 (1951) 851.
108. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067.
109. Cf. CIC can. 1056.
110. Cf. Mt 19, 1-12; 1 Cor 7, 10-11.
111. São João Crisóstomo, In epistulam ad Ephesios, homilia 20, 8: PG 62, 146-147.
112. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 30: AAS 74 (1982) 116.
113. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 11: AAS 60 (1968) 488.
114. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968) 488; cf. Pio XI, Enc. Casti connubii: DS 3717.
115. Cf. Ef 3, 14-15; Mt 23, 9.
116. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071.
117. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071.
118. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes,, 51: AAS 58 (1966) 1072.
119. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968) 489.
120. Cf. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 16: AAS 60 (1968) 491-492.
121. Paulo VI, Enc. Humanae vitae, 14: AAS 60 (1968) 490.
122. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 32: AAS 74 (1982) 119-120.
123. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 51: AAS 58 (1966) 1073.
124. Cf. Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 37: AAS 59 (1967) 275-276; Id., Enc. Humanae vitae, 23: AAS 60 (1968) 497-498.
125. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 50: AAS 58 (1966) 1071.
126. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, Introductio, 2: AAS 80 (1988) 73.
127. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 1: AAS 80 (1988) 87.
128. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 5: AAS 80 (1988) 93.
129. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 4: AAS 80 (1988) 91.
130. Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Donum vitae, 2, 8: AAS 80 (1988) 97.
131. Cf. Mt 5, 27-28.
132. Cf. Mt 5, 32; 19, 6; Mc 10, 11-12; 1 Cor 6, 9-10.
133. Cf. Os 2. 7; Jr 5, 7; 13, 27.
134. Cf. Mt 5, 31-32; 19, 3-9; Mc 10, 9; Lc 16, 18; 1 Cor 7, 10-11.
135. Cf. Mt 19, 7-9.
136. CIC can. 1141.
137. Cf. CIC can. 1151-1155.
138. São Basílio Magno, Moralia, regra 73: PG 31, 852.
139. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 84: AAS 74 (1982) 185.
140. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 19: AAS 74 (1982) 102; cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 47: AAS 58 (1966) 1067.
141. Cf. Lv 18, 7-20.
142. Cf. João Paulo II, Ex. ap. Familiaris consortio, 81: AAS 74 (1982) 181-182.
143. Congregação da Doutrina da Fé, Decl. Persona humana, 7: AAS 68 (1976) 82.
144. Cf. João Paulo, Ex. ap. Familiaris consortio, 80: AAS 74 (1982) 180-181.
145. João Paulo II, Ex. ap. Familiares consortio, 11: AAS 74 (1982) 92.
146. Cf. Dt 5. 19.
147. Cf. Gn 1, 26-29.
148. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 69: AAS 58 (1966) 1090.
149. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 71. AAS 58 (1966) 1093.; João Paulo II. Enc. Sollicitudo rei socialis, 42: AAS 80 (1988) 572-574; Id. Enc. Centesimus annus, 40: AAS 83 (1991) 843, Ibid., 48: AAS 83 (1991) 852-854
150. Cf. 2 Cor 8, 9.
151. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 69: AAS 58 (1966) 1090-1091.
152. Cf. Dt 25, 13-16.
153. Cf. Dt 24, 14-15; Tg 5, 4.
154. Cf. Am 8, 4-6.
155. Cf. Gn 1, 28-31.
156. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37-38: AAS 83 (1991) 840-841.
157. Cf. Mt 6, 26.
158. Cf. Dn 3, 79-81.
159. Cf. Gn 2, 19-20; 9, 1-4.
160. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 23: AAS 58 (1966) 1044.
161. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 76: AAS 58 (1966) 1100.
162. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 3: AAS 83 (1991) 794-796.
163. Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 1: AAS 80 (1988) 513-514; Ibid., 41: AAS 80 (1988) 570-572.
164. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 24: AAS 83 (1991) 821-822.
165. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 63: AAS 58 (1966) 1085; João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 7: AAS 73 (1981) 592-594: Id., Enc. Centesimus annus, 35: AAS 83 (1991) 836-838.
166. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 65: AAS 58 (1966) 1087.
167. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 10: AAS 83 (1991) 804-806; Ibid., 13: AAS 83 (1991) 809-810; Ibid., 44: AAS 83 (1991) 848-849.
168. João PauloII, Enc. Centesimus annus, 34: AAS 83 (1991) 836.
169. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 64: AAS 58 (1966) 1086.
170. Cf. Gn 1, 28; II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 34: AAS 58 (1966) 1052-1053; João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 31: AAS 83 (1991) 831-832.
171. Cf. 1 Ts 4, 11.
172. Cf. Gn 3, 14-19.
173. Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 27: AAS 73 (1981) 644-647.
174. Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 6: AAS 73 (1981) 589-592.
175. Cf. João Paulo II, Enc. Centessimus annus, 32: AAS 83 (1991) 832-833: Ibid. 34: AAS 83 (1991) 835-836.
176. Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 11: AAS 73 (1981) 602-605. 07
177. João Paulo II, Enc. Centesimus annnus, 48: AAS 83 (1991) 852-853.
178. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 37: AAS 83 (1991) 840.
179. Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 19: AAS 73 (1981) 625-629; Ibid., 22-23: AAS 73 (1981) 634-637.
180. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 48: AAS 83 (1991) 852-854.
181. Cf. Lv 19, 13; Dt 24, 14-15; Tg 5, 4.
182. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 67: AAS 58 (1966) 1088-1089.
183. Cf. João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 18: AAS 73 (1981) 622-625.
184. Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 14: AAS 80 (1988) 526-528. ‘
185. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 9: AAS 80 (1988) 520-521.
186. Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 17: AAS 80 (1988) 532-533; Ibid., 45: AAS 80 (1988) 577-578.
187. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus aunus, 35: AAS 83 (1991) 836-838.
188. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 28: AAS 83 (1991) 828.
189. Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 16: AAS 80 (1988) 531.
190. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 26: AAS 83 (1991) 824-826.
191. Cf. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 32: AAS 80 (1988) 556-557; ID., Enc. Centesimus annus, 51: AAS 83 (1991) 856-857.
192. João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 47: AAS 80 (1988) 582; cf. Ibid., 42: AAS 80 (1988) 572-574.
193. Cf. Mt 25, 31-36.
194. Cf. Lc 4, 18.
195. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 862-863.
196. Cf. Lc 6, 20-22.
197. Cf. Mt 8, 20.
198. Cf. Mc 12, 41-44.
199. Cf. Ef 4, 28.
200. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 57: AAS 83 (1991) 863.
201. São João Crisóstomo, In Lazarum, concio 2, 6: PG 48, 992.
202. II Concílio do Vaticano, Decr. Apostolicam actuositatem, 8: AAS 58 (1966) 845.
203. São Gregório Magno, Regula pastoralis, 3, 21, 45: SC 382, 394 (PL 77, 87).
204. Cf. Is 58, 6-7; Heb 13, 3.
205. Cf. Mt 25, 31-46.
206. Cf. Tb 4, 5-11; Sir 17, 18.
207. Cf. Mt 6, 2-4.
208. Cf. 1 Jo 3, 17.
209. Congregação para a Doutrina da Fé, Instr. Libertatis conscientia, 68: AAS 79 (1987) 583.
210. Cf. Mt 25, 40.
211. P. Hansen, Vita mirabilis […] venerabilis sororis Rosae de sancta Maria Limensis (Romae 1664) p. 200.
212. Cf. João Paulo II, Enc. Centesimus annus, 29: AAS83 (1991) 828-830.
213. Cf. Lc 16, 19-31.
214. Cf. Pr 8, 7, 2 Sm 7, 28.
215. Sl 119, 142.
216. Cf. Lc 1, 50.
217. Cf. Sl 119, 30.
218. Cf. Jo 1, 14.
219. Cf. Jo 14, 6.
220. Cf. Jo 12, 46.
221. Cf Jo 8, 31-32.
222. Cf. Jo 17, 17.
223. Cf. Jo 14, 17.
224. Cf. Jo 14, 26.
225. II Concílio do Vaticano, Decl. Dignitatis humanae, 2: AAS 58 (1966) 931.
226. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 109, a. 3, ad 1: Ed. Leon. 9, 418.
227. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 2-2, q. 109, a. 3, c: Ed. Leon. 9. 418.
228. Cf. Jo 18, 37.
229. Cf. Mt 18, 16.
230. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 11: AAS 58 (1966) 959.
231. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos, 4, 1: SC 10bis, p. 110 (Funk, 1, 256).
232. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Romanos, 6, 1 : SC 10bis, p. 114 (Funk, 1, 258-260).
233. Martyrium Polycarpi, 14, 2-3: SC 10bis, p. 228 (Funk 1, 330-332).
234. Cf. Pr 19, 9.
235. Cf. Pr 18, 5.
236. Cf. CIC can. 220.
237. Cf. Sir 21, 28.
238. Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 22: MHSI 100, 164.
239. Santo Agostinho, De mendacio, 4, 5: CSEL 41, 419 (PL 40, 491).
240. Cf. Sir 27, 17; Pr 25, 9-10.
241. CIC can. 983, § 1.
242. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 11: AAS 56 (1964) 148-149.
243 II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 5: AAS 56 (1964) 147.
244. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 8: AAS 56 (1964) 148.
245 II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 12: AAS 56 (1964) 149.
246. II Concílio do Vaticano, Decr. Inter mirifica, 12: AAS 56 (1964) 149.
247. Cf. Gn 1, 26.
248. Cf. Sb 7, 17.
249. Cf. Pio XII, Mensagem radiofónica (24 de Dezembro de 1955): AAS 48 (1956) 26-41; Id., Mensagem radiofónica aos membros das associações de jovens operários cristãos (J.O.C.) (3 de Setembro de 1950): AAS 42 (1950) 639-642.
250. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 122-127: AAS 56 (1964) 130-132.
251. CIC can. 983, § 1.
252. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 122: AAS 56 (1964) 130-131.
253. Cf. 1 Jo 2, 16 (Vulgata).
254. Cf. Gl 5, 16.17.24; Ef 2, 3.
255. Cf. Gn 3, 11.
256. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515.
257. João Paulo II, Enc. Dominum et vivificantem, 55: AAS 78 (1986) 877-878.
258. Hermas, Pastor 27, 1 (mandatum 2. 1): SC 53, 146 (Funk 1, 70).
259. Cf. 1 Ts 4, 3-9: 2 Tm 2, 22.
260. Cf. 1Ts 4, 7; Cl 3, 5; Ef 4, 19.
261. Cf. Tt 1, 15; 1 Tm 1, 3-4; 2 Tm 2, 23-26.
26. Santo Agostinho, De fide et symbolo, 10, 25: CSEL 25, 32 (PL 40, 196).
263. Cf. 1 Cor 13, 12; l Jo 3. 2.
264. Cf. Rm 12, 2; Cl 1, 10.
265. Santo Agostinho, Confissões, 6, 11, 20: CCL 27. 87 (PL 32, 729-730).
266. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes, 58: AAS 58 (1966) 1079.
267. Cf. Mq 2, 2.
268. Cf. Sb 14, 12.
269. CatRom 3, 10, 13, p. 518.
270. CatRom 3, 10, 23, p. 523.
271. Cf. 2 Sm 12, 1-4.
272. Cf. Gn 4, 3-8; 1 Rs 21, 1-29.
273. São João Crisóstomo, In epistulam II ad Corinthios, homilia 27, 3-4: PG 61, 588.
274. Santo Agostinho, De disciplina christiana, 7, 7: CCL 46, 214 (PL 40, 673); ID., Epistula 108, 3, 8: CSEL 34, 620 (PL 33, 410).
275. São Gregório Magno, Moralia in Job, 31, 45, 88: CCL 143b, 1610 (PL 76, 621).
276. São João Crisóstomo, In epistulam as Romanos, homilia 7, 5: PG 60, 448.
277. Cf. Rm 7, 7.
278. Cf. Rm 7, 15.
279. Cf. Rm 8, 14
280. Cf. Rm 8, 27.
281. Cf. Lc 14, 33.
282. Cf. Mc 8, 35.
283. Cf. Lc 21, 4.
284. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 42: AAS 57 (1965) 49.
285. Cf. Lc 6, 20.
286. São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 1: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger, v. 7/2 (Leiden 1992) p. 83 (PG 44, 1200).
287. Cf. Lc 6, 24.
288. Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 1, 1, 3: CCL 35, 4 (PL 34, 1232).
289. Cf. Mt 6, 25-34.
290. São Gregório de Nissa, De beatitudinibus, oratio 6: Gregorii Nysenni opera, ed. W. Jaeger. v. 7/2 (Leiden 1992) p. 138 (PG 44, 1265).
291. Cf. Ap 22, 17.
292. Santo Agostinho, De civitate Dei, 22, 30: CSEL 40/2, 665-666 (PL 41, 801-802).
293. Cf. Jo 4, 14.