Arcebispo Marcel Lefebvre sobre jejum e abstinência

Arcebispo Marcel Lefebvre sobre jejum e abstinência

Arcebispo Marcel Lefebvre

Arcebispo Marcel Lefebvre sobre jejum e abstinência

Meus queridos irmãos,

Segundo uma antiga e salutar tradição na Igreja, por ocasião do início da Quaresma, dirijo-vos estas palavras para vos encorajar a entrar neste tempo penitencial com todo o coração, com as disposições queridas pela Igreja e a cumprir os  propósito para o qual a Igreja o prescreve.

Se eu olhar nos livros do início deste século, descubro que eles indicam três propósitos para os quais a Igreja prescreveu este tempo penitencial:

• primeiro, para refrear a concupiscência da carne;

• depois, para facilitar a elevação de nossas almas às realidades divinas;

• finalmente, para fazer satisfação pelos nossos pecados.

Nosso Senhor nos deu o exemplo durante Sua vida, aqui na terra: rezar e fazer penitência. No entanto, Nosso Senhor, estando livre da concupiscência e do pecado, fez penitência e satisfez os nossos pecados, mostrando-nos assim que a nossa penitência pode ser benéfica não só para nós, mas também para os outros.

Rezar e fazer penitência. Faça penitência para rezar melhor, para se aproximar de Deus Todo-Poderoso. Assim fizeram todos os santos, e assim nos recordam todas as mensagens da Santíssima Virgem.

Atrevemo-nos a dizer que esta necessidade é menos importante em nossos dias do que em tempos passados?  Pelo contrário, podemos e devemos afirmar que hoje, mais do que nunca, a oração e a penitência são necessárias porque tudo foi feito para diminuir e denegrir estes dois elementos fundamentais da vida cristã.

Nunca antes o mundo procurou satisfazer – sem qualquer limite, os instintos desordenados da carne, até o ponto do assassinato de milhões de inocentes nascituros. Alguém poderia acreditar que a sociedade não tem outra razão para existir, exceto para dar o maior padrão de vida material a todos os homens, a fim de que eles não sejam privados de bens materiais.

Assim, podemos ver que tal sociedade se oporia ao que a Igreja prescreve. Nestes tempos, em que também os eclesiásticos se alinham com o espírito deste mundo, assiste-se ao desaparecimento da oração e da penitência, sobretudo no seu carácter de reparação dos pecados e obtenção do perdão das faltas. Poucos existem hoje que gostam de recitar o Salmo 50, o Miserere, e que dizem com o salmista, Peccatum meum contra me est sempre – “Meu pecado está sempre diante de mim”.  Como pode um cristão afastar o pensamento do pecado se a imagem do crucifixo está sempre diante de seus olhos?

No Concílio os bispos pediram tal diminuição do jejum e da abstinência que as prescrições praticamente desapareceram. Devemos reconhecer que este desaparecimento é consequência do espírito ecumênico e protestante que nega a necessidade de nossa participação para a aplicação dos méritos de Nosso Senhor a cada um de nós para remissão de nossos pecados e restauração de nossa afiliação divina ou seja, nosso caráter como filhos adotivos de Deus.

• No passado, os mandamentos da Igreja previam:

• um jejum obrigatório em todos os dias da Quaresma, com exceção dos domingos, nas três têmporas e em muitas vigílias;

• a abstinência era para todas as sextas-feiras do ano, os sábados da Quaresma e, em numerosas dioceses, todos os sábados do ano.

O que resta dessas prescrições – o jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa e a abstinência na Quarta-feira de Cinzas e nas sextas-feiras da Quaresma.

É de se perguntar os motivos de uma diminuição tão drástica. Quem é obrigado a observar o jejum? – adultos de 21 a 60 anos no Brasil, a idade mínima é 18 anos—Ed..  E quem é obrigado a observar a abstinência? – todos os fiéis a partir dos 7 anos de idade.

O que significa jejum? Jejuar significa fazer apenas uma refeição (completa) por dia, à qual se pode acrescentar duas colações (ou pequenas refeições), uma pela manhã e outra à noite, que, quando combinadas, não constituem uma refeição completa. O Arcebispo está se referindo à ordem europeia de refeições; no Brasil, porém, o jantar é geralmente a refeição da noite.

O que se entende por abstinência?

Por abstinência entende-se que alguém se abstém de carne.

Os fiéis que têm um verdadeiro espírito de fé e que compreendem profundamente os motivos da Igreja acima mencionados, cumprirão de todo o coração não apenas as leves prescrições de hoje, mas, entrando no espírito de Nosso Senhor e da Bem-aventurada Virgem Maria,  esforçar-se-á por reparar os pecados que cometeram e os de seus familiares, vizinhos, amigos e concidadãos.

É por esta razão que eles irão adicionar às prescrições atuais. Essas penitências adicionais podem ser jejuar todas as sextas-feiras da Quaresma, abstinência de todas as bebidas alcoólicas, abstinência de televisão ou outros sacrifícios semelhantes. Eles se esforçarão para rezar mais, assistir com mais frequência ao Santo Sacrifício da Missa, rezar o rosário e não perder as orações da noite com a família. Eles se desprenderão de seus bens materiais supérfluos para ajudar os seminários, ajudar a estabelecer escolas, ajudar seus padres a equipar adequadamente as capelas e ajudar a estabelecer noviciados para freiras e irmãos.

As prescrições da Igreja não dizem respeito apenas ao jejum e à abstinência, mas também à obrigação da Comunhão Pascal (Dever Pascal). Eis o que o Vigário da Diocese de Sion, na Suíça, recomendou aos fiéis daquela diocese em 20 de fevereiro de 1919:

• Durante a Quaresma, os párocos rezarão a Via Sacra duas vezes por semana; um dia para as crianças das escolas e outro dia para os demais paroquianos. Após as Estações da Via Sacra, recitarão a Ladainha do Sagrado Coração.

• Durante a Semana da Paixão, ou seja, na semana anterior ao Domingo de Ramos, haverá Tríduo em todas as igrejas paroquiais, Instrução, Ladainha do Sagrado Coração na Presença do Santíssimo Sacramento, Bênção. Nestas instruções, os párocos recordarão de forma simples e clara aos seus paroquianos as principais condições para receber dignamente o Sacramento da Penitência.

• O tempo durante o qual se pode cumprir o dever pascal foi definido para todas as paróquias, desde o Domingo da Paixão até o primeiro domingo depois da Páscoa.

Por que essas diretivas não deveriam mais ser úteis hoje? Aproveitemos este tempo salutar durante o qual Nosso Senhor costuma dispensar abundantemente a graça. Não imitemos as virgens insensatas que, sem óleo em suas lâmpadas, encontraram a porta da casa do noivo fechada e esta terrível resposta: Nescio vos – “Eu não te conheço”. Bem-aventurados os que têm espírito de pobreza porque deles é o reino dos céus. O espírito de pobreza significa o espírito de desapego das coisas deste mundo.

Bem-aventurados os que choram porque serão consolados. Pensemos em Jesus no Horto das Oliveiras que chorou por nossos pecados. A partir de agora, devemos chorar por nossos pecados e pelos de nossos irmãos.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de santidade porque serão saciados. Santidade – a santidade é alcançada por meio da Cruz, penitência e sacrifício. Se realmente buscamos a perfeição, devemos seguir a Via Sacra.

Que possamos, neste tempo quaresmal, ouvir o chamado de Jesus e Maria e comprometer-nos a segui-los nesta cruzada de oração e penitência.

Que nossas orações, nossas súplicas e nossos sacrifícios obtenham do céu a graça de que os que ocupam cargos de responsabilidade na Igreja retornem às suas verdadeiras e santas tradições, única solução para reviver e reflorescer as instituições da Igreja.

Apreciemos recitar a conclusão do Te Deum: In te Domine, speravi; non confundar in aeternum – “Em Ti, ó Senhor, tenho esperado. Não serei confundido na eternidade”.

+ Marcel Lefebvre

Sexagesima domingo

14 de fevereiro de 1982

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Rickenbach, Suíça*

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