HOMILIA – A vida que se manifesta nas encruzilhadas
É típico do Evangelho comparar o Reino de Deus com uma festa de casamento.
Jesus nos revela a imagem de um Deus festeiro, que organiza um surpreendente banquete, convidando a todos “bons e maus”
“Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 22,9)
Mais uma vez nos encontramos diante de outra parábola luminosa e inquietante. Há um banquete para todos, o banquete da fraternidade, da vida partilhada, do mundo convertido em Reino. Mas muitos querem sua própria refeição, seu lugar à parte, para não se misturar com os outros, para não se “contaminar”.
É uma parábola que desmascara nosso contexto atual, onde o mundo se divide em banquetes de alguns e misérias de outros, em luta por um pão que cria guerras em vez de alimentar abraços e mesas partilhadas.
É típico do Evangelho comparar o Reino de Deus com uma festa de casamento. Jesus nos revela a imagem de um Deus festeiro, que organiza um surpreendente banquete, convidando a todos “bons e maus”.
Não é um convite a uma vida sem alegria; não é um convite a uma vida amarga, a uma vida onde tudo está proibido. Deus convida sempre à festa; o Evangelho é convite à festa de Deus com a humanidade.
Diante da recusa de muitos em participar do banquete, Deus nunca fracassa; a festa de casamento será celebrada; Ele sabe que mesmo aqueles que não receberam o cartão de convite estão dispostos a participar do evento. E Deus não gosta de ver cadeiras vazias; Ele quer “ver sua casa cheia”.
E dá a impressão de que quanto mais a sala do banquete se enche de convidados, mais aumenta o espaço; porque “ainda havia lugares”. No coração do Pai cabem todos. Ainda há lugares para aqueles a quem ninguém convida; sobram lugares para os excluídos; sobram lugares para esses a quem nós marginalizamos; ainda há lugares para esses que nunca encheram seu estômago; ainda há lugar para esses que nós julgamos como maus; ainda há lugar para esses que nunca ouviram falar do Reino.
A sala do banquete estará cheia. Os empregados serão enviados para as encruzilhadas dos caminhos da vida para convidar a todos. E o curioso: “maus e bons”. Também os maus são convidados à festa de Deus.
Deus convida aqueles que ninguém convida; Deus convida não aqueles que tinham preferência; agora os convidados não têm nome, são todos, são todos os nomes.
Convite, casamento, festa, banquete… tudo está maravilhoso. Mas não se pode estar de qualquer maneira na festa; é preciso estar vestido festivamente, ou seja, estar vestidos do amor e da graça daquele que convidou. Trata-se do traje da alegria, do amor, da graça.
O Reino não é um lugar, mas um novo espaço de relações fundadas na gratuidade e na doação. Isto depende da nossa decisão pessoal de preferi-lo a outras coisas, de confiar na bondade em excesso que nos é revelada. Este salto no vazio não é fácil. Preferimos as seguranças daquilo que conquistamos com nosso próprio esforço. Não confiamos naquilo que não depende de nossos méritos, de nossa conta de crédito e débito. Por isso mesmo, muitos rejeitam o convite que aqui se desenha como uma festa de casamento.
Talvez o que mais impede nossa adesão ao Reino seja a perda da capacidade de surpresa diante do que nos é proposto. Parece que já temos tudo sabido, que conhecemos de antemão a vontade de Deus que pedimos todos os dias no Pai-Nosso. Por isso, o rei envia os empregados a que saiam pelos caminhos e convidem aqueles que não esperam o convite para a festa, aqueles que não se sentem dignos ou à altura de tal honra.
Talvez, agora seja o tempo propício para deixar as seguranças dos negócios, daquilo que trazemos nas mãos sem contar com Deus nem com os irmãos e sair pelos caminhos da surpresa, do inesperado, do presenteado. Só a partir daqui poderemos receber o convite ao banquete da abundância. Porque só aos buscadores do Reino e de sua justiça lhes é oferecido este dom precioso.
O centro da mensagem do Evangelho de hoje está em que o Pai convida a todos: “bons e maus”; o banque-te é o mesmo para todos. A resposta é a que marca a diferença entre uns e outros; quem prefere as “terras” ou os “negócios”, indica o que de verdade lhe interessa.
Em torno da mesa comum, reúnem-se as pessoas que, de algum modo, se sentem convidadas ou convocadas. Esta convocação compromete o convidado, porque ele aceita e, aceitando o convite, aceita partici-par, e, aceitando a participação, aceita tomar parte ativa na vida daqueles com quem vai assentar-se à mesa. Entra, assim, na comunidade.
O apego aos bens e aos negócios podem nos impedir de escolher o caminho da vida expansiva; uma vida bem-sucedida é o maior inimigo da transformação. Quem se acomoda no sucesso não prosseguirá em sua caminhada interior e ficará parado em sua imaturidade humana. Quem confia demais em seus próprios negócios ou em seu sucesso pode romper o vínculo com o coração e renegar seu verdadeiro eu.
Os sentimentos de “apego” vão se avolumando e vão nos fixando “às margens da vida que flui”. As “coisas” nos fazem sentir em segurança, protegidos e importantes: nosso emprego, nossas posses, nossas ambições, ideias fixas, status…
O perigo está em ter ouvidos para os cantos das sereias, e não para o convite que vem do mais profundo de nosso ser, que nos chama a uma plenitude humana.
Esse mesmo chamado a uma vida festiva, que pede saída de si e abertura ao encontro, fica ofuscado pelo “ego” fechado em seus negócios e apegos aos bens. Aqui, as recusas bloqueiam o fluir da vida.
Nesse sentido, as encruzilhadas da vida se revelam como o lugar da gestação do novo.
Dizia o teólogo Karl Rahner que o melhor da vida sempre vem a nós como “presente”, como algo inesperado, surpreendente. Somos envolvidos permanentemente pela Graça…, e nem sempre estamos atentos. São as oportunidades vitais e únicas que aparecem de maneira inesperada. “Não peças a Deus maravilhas, mas a capacidade de maravilhar-te”.
É preciso estar em sintonia profunda com a vida. Quando menos esperamos, ela nos chega como oportunidade inédita, como possibilidade que excede a tudo o que imaginamos.
Em chave de interioridade, o evangelho deste domingo também nos ajuda a desvelar por onde flui a vida, onde é possível a celebração festiva do casamento. O convite à festa é dirigido a todas as dimensões do nosso ser. Causa-nos surpresa que é justamente nas encruzilhadas dos caminhos interiores onde o convite tão generoso do Senhor encontra ressonância. Geralmente são os aspectos de nossa vida que estão à margem, as nossas feridas e fragilidades, as nossas limitações…, que são mais sensíveis para escutar e acolher o chamado à mesa do Reino.
O ser humano é o único ser que, sendo limitado, é totalmente aberto ao infinito.
É da fragilidade e da limitação que nasce também a criatividade.
Podemos, então, afirmar que a vida está nas encruzilhadas de nossa existência; afirmando de outro modo: as encruzilhadas estão também carregadas de vida. É das encruzilhadas existências que pode nos surpre-ender com o surgimento do novo. É ali que o convite à plenitude de vida ressoa com mais intensidade.
Nossa razão, nosso “eu perfeccionista”, nosso “ego inflado”, nossas “afeições desordenadas”…não se deixam impactar pelo convite para a festa da vida. Estão seguros de si mesmos, atrofiados e petrificados em nossos mundos estreitos e estéreis.
Construímos ao nosso redor um micromundo que parece permanente e sólido.
Andamos enredados e sem tempo para o essencial e perdemos a conexão com o centro de nosso corpo, de nossa vida, e esse centro é o coração, ali onde está oculto o mistério de cada um. Cada um de nós tem suas próprias feridas e seus tesouros no mesmo lugar.
Texto bíblico: Mt 22,1-14
Na oração: Vida nova é aceitar o que é fragilidade e limite em nós mesmos (nossa encruzilhada). Não existe subida para a luz sem a aceitação e a travessia de nossa sombra.
– Dê nomes às suas “afeições desordenadas” (apegos) que o(a) tornam insensível à Voz d’Aquele que convida ao festim do Reino.
Reflexão do Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum, 11 de outubro
Pe. Adroaldo Palaoro, sj
Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI
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